Doce pássaro da juventude, comido no espeto à beira de uma fogueira de acampamento de praia, eu com a pele inflada de bolhas dolorosas, antes daquela noite de insônia-à-milanesa em que pensei a frase “ninguém desliga o mar”. Ribaçã salgada e suculenta, mordida com fome no balcão da Rodoviária velha, antes do copo espumante e gelado da décima saideira da noite. O corvo eterno, leit-motiv de madrugadas e firmamento, e o abutre que numa lenda alternativa era devorado todo dia pelo fígado de Prometeu.
A juventude é pássaro porque voa, porque logo se faz passar? Outra leitura possível é: a juventude não é algo que somos, é algo que de vez em quando pousa em nós, quando lhe dá na veneta, e vai embora mal erguemos os olhos. Todo sujeito tem o direito de sentir-se jovem uma vez por década, como acontece com certas torcidas de futebol. Doces pássaros, salgados pássaros, crocantes frangos à passarinho, desbastados por incisivos cuidadosos, vasculhando em cada minicâmara e desvão no meio de tantos ossinhos, pela carne, a tenra carne, a carne enquanto está quente e tem tanto a nos dar.
Sweet bird of youth, é o nome do filme baseado na peça de Tennessee Williams. Por que a juventude é um pássaro? “Happiness runs”, canta Mary Hopkin, a mesma que fez sucesso cantando que “bons tempos foram aqueles” (“Those were the days”). Uma cena que eu vi uma vez no trabalho, o diretor dizendo: “Olha, pessoal, nós temos exatamente a quantidade de película necessária para esse último take, são trinta e poucos segundos, vamos ensaiar direitinho, porque é uma só, sem poder errar.” Pense em trinta segundos pra passar voando. Pois mesmo assim é a juventude da gente. O tempo em que a gente é perigoso, e não existe um tempo melhor do que esse.