Às vezes eu gostaria que caísse sobre o mundo uma daquelas misteriosas barreiras transdimensionais da ficção científica. Talvez até já seja hora de encontrar uma terminologia equivalente, que também seja vaga, e usável a torto e a direito. Enfim: um truque mediante o qual o mundo ficasse imobilizado, esvaziado de gente, e eu pudesse caminhar de noite ou de madrugada por Campina toda acesa, Campina deserta sem vivalma, tipo quinta dimensão, além da imaginação.
Aquele friozinho de mei-de-ano e eu andando por Campina. Tudo aceso, vitrines, iluminação pública, luzes dos terraços e jardins. Mas tudo fechado, portas, janelas, grades, embora, como em games tipo GTA, eu possa se quiser sair testando de porta em porta em cada rua... Numa das vezes em que fantasiei essa peripécia eu batia nas casas da Rua Miguel Couto e em todas havia alguém para me receber e me convidar para um cafezinho e água gelada na poltrona, onde me davam de graça uma história sobre minha infância (não propriamente sobre mim – sobre meus pais, sobre a rua, a vivência comum).
Senti algo estranho. Todas aquelas pessoas tinham morado ali há quase 60 anos e todas continuavam lá, nas respectivas casas. Meu pai e minha mãe, no entanto, depois de alguns anos ali, tiveram que se mudar para a Vila dos Motoristas. Era na Rua Castro Pinto, por trás do campo do Treze. Quando havia jogo noturno no PV a gente aproveitava os refletores e jogava pelada no meio da rua. E aí minha cabeça já não estava mais pensando em quando a gente de mudou da Miguel Couto para a Vila dos Motoristas (acho que foi 1960).