
Em seu volume de ensaios Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Que Longe de Tudo (Cia. Das Letras, 2012), David Foster Wallace relata a empreitada que recebeu da revista Harper’s: fazer uma semana de cruzeiro pelo Caribe num navio de luxo, e relatar suas impressões. O texto resultante, “Uma Coisa Supostamente Divertida Que Eu Nunca Mais Vou Fazer”, é alternadamente fantástico, engraçado, assustador, intrigante. Como sou um escritor profissional e Wallace também o era, recorro ao senso ético da profissão para supor que ele não inventou nada daquilo. Sua interpretação dos fatos é a mais subjetiva e distorcida possível (ele mesmo o admite várias vezes), mas se os fatos forem mesmo aqueles o mundo é um lugar muito fantástico. Comparado a ele, Salvador Dali é um Mondrian.
As 125 páginas do ensaio são uma mistura do jornalismo gonzo de Hunter Thompson e da nostalgia claustrofóbica de E La Nave Va. Documenta a hipertrofia das glândulas consumistas que Henry Miller já tinha diagnosticado em Pesadelo Refrigerado e a cafonice endinheirada de True Stories de David Byrne ou de Heaven de Diane Keaton. Tem a voltagem de algumas das reportagens de Bruce Sterling ou William Gibson (só que com humor). E nos faz sentir o tempo inteiro a flutuação escheriana entre um corredor na Ilha de Caras e uma escada num filme de David Lynch. A terrível revelação de que o Sonho Americano é, e sempre foi, uma “bad trip” gerada por um LSD com defeito de fábrica.