(Carlos Drummond)
Sob este melancólico título Carlos Drummond publicou uma crônica no Correio da Manhã, recolhida depois no livro Passeios na Ilha (1952), e nela meditava sobre o destino do escritor brasileiro que tem um emprego público. Como se sabe, dois terços do nosso cânone na poesia, no romance e no conto foram produzidos por indivíduos que ganhavam a vida como: 1) funcionários públicos; 2) professores; 3) jornalistas. Em tempos mais recentes, 4) publicitários; 5) advogados. A fatia mais estreita corresponde a todas as outras profissões, inclusive a fugidia espécie do “escritor em tempo integral”.
Há medidas modernizadoras (diz o poeta) para evitar que funcionários desviem seu tempo de expediente para atividades menos confessáveis (ele lembra que Lima Barreto “escrevia romances nas costas do papel almaço, usado, da repartição”). O escritor-funcionário, porém, não deixará de escrever por isto: “escreverá na hora do sono ou da comida, escreverá debaixo do chuveiro, na fila, ao sol, escreverá até sem papel”.
Drummond falava de cátedra, e para ele o escritor-funcionário tem que estar equidistante do miserê e do pleiboísmo: “O emprego do Estado concede com que viver, de ordinário sem folga, e essa é condição ideal para bom número de espíritos: certa mediania que elimina os cuidados imediatos, porém não abre perspectiva de ócio absoluto. O indivíduo tem apenas a calma necessária para refletir na mediocridade de uma vida que não conhece a fome nem o fausto.”
O poeta reconhece a floração do talento em outros temperamentos, como o boêmio ou o escritor faminto de mansarda, mas adverte: “aqui se trata de certo tipo de criador literário, aquele que não ama velejar pelos mares lendários nem ancorar à sombra do botequim: o escritor-homem comum, despido de qualquer romantismo, sujeito a distúrbios abdominais, no geral preso à vida civil pelos laços do matrimônio, cauteloso, tímido, delicado. A organização burocrática situa-o, protege-o, melancoliza-o e inspira-o”.