(Irandhir Santos, em A Pedra do Reino)
Dias atrás estive no “XIII Festival Recifense de Literatura – A Letra e a Voz”, que este ano homenageou Ariano Suassuna. A sugestão do festival era de fazer uma leitura de textos do autor. Pensei em ler episódios do Romance da Pedra do Reino, mas existe uma obra de Ariano que quase ninguém conhece: o romance História D’o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: As Infâncias de Quaderna, que pouquíssimas pessoas já leram, mesmo em Pernambuco e na Paraíba. Esse romance seria o volume 3 da série cujo número 1 é o Romance da Pedra do Reino e o número 2 é História D’o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao Sol da Onça Caetana”. O 1 e o 2 saíram pela Ed. José Olympio, mas o 3 foi publicado apenas em folhetins dominicais no Diário de Pernambuco, de 2-5-1976 a 19-6-1977.
Ariano não quis publicá-lo em livro, porque viu muitos defeitos na obra, que, mesmo assim, tem inúmeras passagens brilhantes, da melhor prosa que ele já escreveu. E mais do que isso: esclarece um sem-número de coisas a respeito do personagem Quaderna, seus pais, seu passado, sua criação. Chego mesmo a afirmar que só entendi o Romance da Pedra do Reino (que eu já lera várias vezes) quando li As Infâncias de Quaderna, que tapa muitos buracos e esclarece muitos pontos duvidosos do outro livro.
Nas Infâncias ficamos sabendo, p. ex., que Quaderna foi parido na Fortaleza de Santa Catarina, na capital da Parahyba; que foi raptado por ciganos, resgatado pelo cangaceiro Antonio Silvino, e devolvido por este à família dos Garcia-Barreto, seus tios maternos. Temos também uma visão mais completa de um personagem crucial da trama, o fazendeiro e usineiro Antonio Morais, que no Romance da Pedra do Reino aparece apenas de passagem. Morais é o grande vilão da obra, representante do capitalismo internacional e da mentalidade predatória urbana, e se contrapõe a Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto, o tio de Quaderna, que encarna as virtudes cavalarianas da nobreza do Sertão.