Num texto antigo (“A Defence of Detective Stories”, 1902), G. K. Chesterton defende a teoria de que na vida urbana existe toda uma poética e todo um romantismo, não no sentido amoroso, mas no sentido de um mundo movido mais pela imaginação e o desejo do que pela observação e raciocínio. “A poesia da vida moderna”, como ele a chama, tem a ver, p. ex., com o olhar urbano, meio cínico e meio melodramático de Baudelaire sobre Paris.
Diz GKC: “Essa forma de perceber a poesia que há em Londres não é pouca coisa. Uma cidade propriamente dita é mais poética do que o campo, porque, enquanto a Natureza é um caos de forças não-conscientes, a cidade é o caos das que o são”. A argumentação dele é longa e variada; ilustra e reafirma essa visão. Ela já foi expressa sob a inequação de que o civilizado é superior ao primitivo, ou de que a capital é mais moderna que o interior; mas Chesterton sugere uma idéia melhor, do ponto de vista literário: a de que o mapa urbano é mais cheio de maravilhas, terrores e mistérios do que a vida entre as hordas primitivas.
Ele cita Sherlock Holmes, para quem o homem urbano vive um “romance do detalhe” onde cada telha de um teto tem um sinal característico, está coberta de informação, como se tivesse sido rabiscada com cálculos, de cima a baixo. A vida urbana é concentrada (milhões de pessoas), variada (classes, ofícios, etnias, ideologias, etc.) e sob pressão. O resultado é o romance de mistério, de aventura, de antecipação, de horror, de lição de abismo.
Diz ele: “A civilização é a mais sensacional das arrancadas e a mais romântica rebelião. (...) Quando num romance policial o detetive enfrenta sozinho, com um destemor que beira o cabotinismo, os punhos e os punhais de uma corja de assaltantes, isso decerto nos ajuda a relembrar que é o agente da justiça social que constitui a figura mais original e poética, enquanto os gatunos e os salteadores não passam de plácidos conservadores do velho cosmos, satisfeitos com a respeitabilidade imemorial dos lobos e dos gorilas.”