O pequeno personagem é aquele que aparece pouco, em segundo plano, mas nem por isso tem que ser um personagem menor ou sem importância. Às vezes aparece em apenas uma cena, mas é bastante para se tornar inesquecível. No cinema, isso fica muitas vezes por conta do ator. O ator Ned Beatty fez um papel secundário em Rede de Intrigas (“Network”, 1976) de Sidney Lumet, aparecendo em apenas uma cena do filme, e ganhou o Oscar de Melhor Coadjuvante. (Não que eu ache um Oscar uma grande coisa, mas eles lá acham.) Dizia ele: “Nunca recuse um trabalho, por menor que pareça. Trabalhei neste filme um dia apenas, e ganhei um Oscar”.
A literatura parece mais propensa a valorizar os personagens menores. No livro de R. L. Stevenson O Médico e o Monstro, o Dr. Jekyll tem uma casa cheia de criados que pouco aparecem; mas o romance Mary Reilly (1990) de Valerie Martin, usa como protagonista uma dessas empregadas, e reconta o drama do ponto de vista dela. Algo parecido foi feito recentemente no romance francês Meursault, contre-enquête (2013) de Kamel Daoud, cujo foco é no irmão do árabe assassinado na praia pelo narrador de O Estrangeiro (1942) de Albert Camus.
No prefácio de seu romance O Mundo de Rocannon (1966), Ursula LeGuin explica seu protagonista lembrando que ele aparecia rapidamente no conto “O Colar de Semley” (1964), como um etnólogo que a heroína encontra noutro planeta. Depois (diz ela) ele começou a surgir na sua mente, dizendo: “Ei, eu sou Rocannon! Conte minha história!”, e ela o fez. Muitos personagens hoje famosos fizeram sua primeira aparição em circunstâncias parecidas.
Desenvolver um personagem secundário de uma obra conhecida poderia ser um bom exercício de oficina literária, para mostrar como uma mudança de ponto de vista, sem alterar os fatos concretos, pode determinar uma reviravolta no significado da história original. Nenhuma história é a mesma quando os fatos são narrados por outro ponto de vista.