Existe uma zona limítrofe entre o reino animal e o reino vegetal. Musgos, líquens, fungos – tudo isso, embora pertença a um lado, guarda semelhanças ou afinidades com o outro, ou com nenhum. É o que se dá, só que numa escala maior e sob formas imprevisíveis, com o jamacós, uma criatura encontradiça em Bornéu, Sumatra, na Indonésia e em regiões tropicais do Pacífico. Falar do jamacós envolve vários níveis de dificuldade, a primeira delas relativa ao uso do plural ou do singular.
Visto à solta, na natureza, o jamacós parece uma mancha arroxeada de geléia de amora, grudada à casca de algumas árvores que são seu habitat preferido. Essa mancha aumenta, diminui, desloca-se ao longo da casca de que se alimenta, deixando-a polida, sem rugosidades. Vista ao microscópio, a mancha revela ser um aglomerado fervilhante de pequenas criaturas arredondadas, com ventosas no ventre, unidas umas às outras por filamentos, como irmãos siameses. O jamacós adulto parece-se a uma joaninha, com um décimo de milímetro de diâmetro, uma quase-esfera arroxeada coberta de pontos negros. A certa altura do ciclo vital, um desses pontos incha, estende-se em filamento e produz na ponta um jamacós idêntico ao original; sem se desprender do primeiro, este segundo jamacós também produz outros filamentos, reiniciando o ciclo, o que dá ao conjunto de todos eles o aspecto de uma infinidade de colares de contas, entrelaçados.
A ciência ainda questiona: o jamacós individual é a bolinha, ou o conjunto de todas elas? Metaforicamente: o indivíduo é a uva, ou o cacho de uvas? Será que um conjunto dessas manchas de jamacós não pode ser considerado também um indivíduo? Um conjunto de “cachos” de jamacós comporta-se muitas vezes (principalmente em sua absorção de cascas vegetais) como um indivíduo consciente de si e do ambiente à sua volta, capaz de tomar decisões, capaz de tirar do ambiente o que precisa para sua sobrevivência e de se reorganizar em função desse ambiente.