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4002) Seis lendas urbanas (20.12.2015)

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(ilustração: Eleonore Weil)

O Homem Sem Cabeça de Badrajupur, na Índia, é uma entidade misteriosa que aparece nas festas e peregrinações populares. É visto seguindo os cortejos, movimentando-se como uma pessoa normal, mas sua cabeça é cortada à altura do pescoço. As pessoas que o tocam são percorridas por uma espécie de choque elétrico suave e têm a sensação de que sua própria cabeça está começando a desaparecer. Ele se aproveita disto para dançar numa clareira da multidão.

Os Ladrões da Lua. Num povoado do Chile é hábito das famílias sentarem na rua nas noites de lua cheia e inventarem histórias que se passam nessa lua sobre suas cabeças. Inventaram a história de um povoado na lua, assaltado por bandidos perigosos. Inventavam cada ladrão mais perigoso do que o outro. Preocupavam-se tanto com as famílias da lua que deixavam suas portas e janelas mal trancadas, para bom proveito dos meliantes de cá.

O Tonel Rolante do Sêrro (MG). Em noites muito silenciosas ouve-se pelas ruas da cidade o ruído de um tonel de metal, oco, sendo empurrado por cima das pedras do calçamento, às vezes descendo uma ladeira com um clangor infernal, às vezes escalando os paralelepípedos devagar e sempre, como que empurrado por mãos vigorosas. Abrem-se as janelas e ninguém vê nada. Fantasma auditivo.

O Brinquedo do Miúdo é um episódio misterioso que se dá em Coimbra e no Algarve. Um miúdo (um menino) aborda um transeunte numa rua escura e pede que devolva o seu brinquedo, que (segundo ele) a pessoa traz no bolso. Em todos os relatos a pessoa mete a mão no bolso e de fato tira de lá o objeto que o menino lhe pedira: uma gaita, um par de óculos, um confeito, um versinho manuscrito, uma bola de gude, um isqueiro, um soco-inglês... E todas as vezes a criança recebe, agradece e some para sempre.

O Carro Que Não Pega. Uma lenda frequente na Ucrânia, na Rússia, na Letônia, e, curiosamente, também no Estado de Sergipe. Um carro fantasma acorda de repente uma vizinhança inteira, com aquele ruído insano, engasgado, de uma ignição que não pega de jeito nenhum, sendo coagida por uma pessoa que não vai desistir com facilidade. Um engasgo torturante, que até parece vai redundar numa explosão, mas não, fica só taxiando. Para quem dirige, é o mesmo que injetar querosene na veia.

A Ponte Fantasma da Kawa-kahihi, no Havaí, é uma ponte que muda de aspecto: é de madeira, ou de pedra em estilo antigo, ou de ferro fundido, de mármore cheio de ornatos... Ela aparece unindo as margens de um rio ou de um desfiladeiro. É uma ponte sempre diferente, mas tão real quanto qualquer outra até o momento em que o viandante encontra-se lá pela metade, quando então ela some no ar.





4003) Como odiar Lovecraft (22.12.2015)

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(ilustração: Selin Arisoy)

H. P. Lovecraft foi um dos escritores mais influentes da literatura de horror, que ele misturou com ficção científica para produzir uma espécie de “horror cósmico”. Ele apregoava ser “um homem do século 18 perdido no insuportável século 20”. Criado com certo luxo até os 14 anos, depois teve que se adaptar a uma vida de penúria financeira, doenças na família, um casamento fugaz, daqueles que nunca poderiam ter dado certo. Era em essência um solteirão calado, cheio de venetas, que gostava de dar longos passeios e de ler alfarrábios antigos. E escrevia longas cartas para colegas escritores que, em muitos casos, nunca veio a conhecer.

A cabeça de Lovecraft, esculpida por Gahan Wilson (famoso pelos seus cartuns de humor negro) tornou-se a materialização do World Fantasy Award, um dos principais troféus anuais da literatura fantástica. A lista de quem já ganhou o troféu é enorme, e inclui autores como Fritz Leiber, Gene Wolfe, Tim Powers, Peter Straub e Jack Vance.

Acontece que Lovecraft tinha uma visão muito peculiar a respeito de outras raças, como os negros e os judeus. Seu aristocratismo pomposo exigia esse tipo de esnobismo, e ele parece ter acreditado, como tantos intelectuais brasileiros da mesma época, que a mistura de raças empobreceria ambas. Vai daí que escritores atuais, informados das idéias racistas de HPL, questionaram o uso de sua imagem no troféu. Como se dissessem: “Esse cara é o modelo que devemos seguir?”.

A substituição da estátua foi anunciada na entrega dos prêmios de 2015. Uma reação imediata foi a de S. T. Joshi, biógrafo de Lovecraft, que devolveu os troféus que já tinha ganho e disse ser tudo aquilo “uma concessão covarde ao pior tipo de atitude politicamente correta”. Eu mesmo fiquei pensando: Quem tem razão? Quem acha que HPL por ser grande escritor já está anistiado? Ou quem acha que não, que preconceitos racistas devem ser sempre denunciados e punidos, mesmo que postumamente?

Leio no fanzine eletrônico Ansible (#341, dezembro 2015) o comentário de Dave Langford: “De qualquer maneira, trata-se do adeus do que é largamente considerado o prêmio mais feio concedido na longa e irregular carreira dos prêmios para literatura de gênero.” A visão de Lovecraft sobre a humanidade é que era feia – ele era um misantropo sem generosidade com os que considerava “inferiores”. Apesar dessa deformação, foi também (como tantas vezes acontece) um grande escritor, no sentido de que produziu uma visão do mundo única, vívida, através de imagens que revelam esse mundo ao leitor. O erro talvez tenha sido terem colado sua imagem pessoal a um prêmio que deveria ser algo neutro, sem viés individualista.




4004) Linha de chamar verso (23.12.2015)

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(Nei Lopes)

No trabalho da gente, seja ele qual for, a gente cria às vezes um dicionário pessoal para indicar coisas sem nome definido. Na poesia de estrofes rimadas e metrificadas, eu sempre usei, por conta própria, dois conceitos relativos ao improviso com batuque. Tinha o “refrão de chamar verso” e a “linha de chamar verso”.

O refrão de chamar verso é aquele velho esquema de canto com palmas: “Chora bananeira / bananeira chora / chora bananeira / meu amor já foi embora.” Aí alguém dá um passo pro meio da roda, ou (se numa mesa) ergue o braço pedindo a vez, e manda uma quadrinha improvisada, ao fim da qual todos voltam a cantar juntos: “Chora bananeira... (etc)”.

Já a “linha de chamar verso” é como se fosse um mote de uma linha só, mas ao invés de aparecer no fim da estrofe aparece no começo, e o cantor improvisa o restante. A linha-de-chamar-verso mais antiga que conheço é “Lá em cima daquela serra...”  Quantos milhares de quadrinhas não já terão sido escritas ou improvisadas pegando a partir de um início tão promissor?

Em Partido Alto – Samba de Bamba (Pallas, 2005) de Nei Lopes há uma porção de termos para essas linhas. À pág. 107, Nei Lopes explica que muitas das quadras cantadas em partidos altos, seja de memória ou de improviso, se desenvolvem “a partir de um pé-de-cantiga, isto é, de um verso inicial padronizado, bastante conhecido.”  À pág. 139, ele amplia essa definição: “Grande parte das trovas, quadras e outros tipos de estrofes da poesia popular se inicia por versos padronizados através dos quais se propõe e estabelece o tema a ser trovado e cantado. A esses versos-matrizes costuma-se chamar ‘trampolins’, ‘muletas’ (...), ‘pés-de-cantigas’, no dizer de Joaquim Ribeiro (...), ou ‘versos feitos’, segundo Mário de Andrade.” Ou seja, é o mesmo princípio do mote na Cantoria nordestina – só que vem no começo, e não no fim.

Nei Lopes lista alguns desses começos, e mostra com que frequência eles iniciam estrofes em nossa música popular: “Vou-me embora, vou-me embora”, “Minha mãe me deu dinheiro” (no Nordeste usa-se tipo assim: “Minha mãe me dê dinheiro / preu comprar um cinturão / o punhal e a cartucheira / pra brigar mais Lampião”), “Alecrim na beira d’água”, “No tempo em que eu cantava”, “Dizem que cachaça mata”, “Minha mãe sempre me disse”... Eu lembraria outros como “Quando eu vim da minha terra” (resgatado por Paulo Vanzolini em sua “Capoeira do Arnaldo”), “Vou falar pra todo mundo”, etc.

Esse mote inicial (ao invés de mote final) é mais um parentesco entre o partido alto e a cantoria, mostrando que os dois compartilham as mesmas raízes e o mesmo espírito, apenas evoluíram por caminhos diferentes.




4005) Os dois filhos (24.12.2015)

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Uma família humilde tinha dois filhos, um de quinze e outro de doze anos. O mais velho nasceu de um parto difícil, sobreviveu com sequelas. Precisava de fisioterapias, etc., e se desenvolveu muito lentamente. Passava o dia na cama, falava com dificuldade, e nos fins de semana a família o levava para tomar sol no parque municipal numa cadeira de rodas. Já o garoto mais novo era muito esperto, estudioso, um menino bom que ajudava a cuidar do irmão mais velho. Os dois aliás se gostavam muito, eram unidos, dentro das limitações de linguagem do primeiro.

É quando o pai ganha um dinheiro numa loteria qualquer. Nada que o tornasse milionário; mas de repente ele tinha em mãos muito mais grana do que seria capaz de imaginar. Parentes se reaproximaram do casal, dispostos a ajudar num momento tão delicado. Passada a euforia inicial, todos, em volta da mesa, com lápis e papel, faziam contas e listavam as diferentes maneiras possíveis de aplicar aquela pequena fortuna caída do céu.

Anota daqui, risca dali, ficaram com apenas dois projetos em mãos. Fazendo as contas e as projeções futuras, descobriram que a grana recém-chegada lhes dava a chance de optar entre duas utilizações diferentes. Havia nos EUA um hospital especializado no tipo de problema do garoto mais velho. Com dois anos de tratamento, grande parte dos problemas dele poderiam ser revertidos: ele conseguiria andar, alimentar-se sozinho, falar de maneira inteligível, quem sabe até ser matriculado numa escola especial.

A outra opção era mandar para um curso de dois anos na Europa o garoto mais novo. Estudioso e bom em matemática, ele ganhava todas as competições desse tipo, era saudado como “futuro gênio” pelos professores, e os pais já colecionavam um álbum de matérias de jornal (e DVDs com reportagens de TV) sobre “o Einstein de Vila Junqueira”, como o menino era chamado no bairro onde sempre residiram.

Só que o cálculo era mesmo na ponta do lápis, despesas reduzidas ao mínimo do mínimo. Não dava para cortar aqui-e-ali e realizar os dois projetos. Colocava-se diante dos pais a famosa “escolha de Sofia”. Tentar diminuir o sofrimento e as limitações do menino mais velho, aumentar sua relativa autonomia, aliviar o peso que recairia um dia sobre o mais novo, já que os pais já estavam envelhecidos, cansados, com a saúde meio-lá-meio-cá? Ou explorar o potencial do menino mais novo, podendo inclusive, quem sabe, transformá-lo num fenômeno nacional, o que, a se confirmar essa hipótese, geraria um excesso de renda capaz de a longo prazo, reverter em algum benefício para o menino com problemas? Os pais continuam debatendo. Cartas para a redação.



4006) Natal 2015 (25.12.2015)

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(ilustração: Remedios Varo)

... e a gente arranca ao Tempo mais um ano
como quem despe as roupas da Verdade
e a deixa reluzindo, à claridade
que ela mesma produz, ao ver-se exposta.
A Verdade é mulher, e mulher gosta
de revelar-se aos poucos, mas inteira,
e a vida só é bela e verdadeira
quando exibe seu corpo em sombra e luz,
claro-escuro no ar, que nos seduz
e nos faz mergulhar no seu mistério.

Mas os tempos de hoje... Fala sério!
Será tudo um teatro dadaísta?
E o que terá fumado o roteirista
que escreveu o Brasil de atualmente?
Basta olhar para a comissão de frente
que encabeça a terrível procissão
nas praças e avenidas da nação,
pesadelo hi-tech e surreal.
E quem sabe onde está oculto o Mal
no coração humano? O Sombra sabe.

É Moby Dick o monstro, ou é Ahab?
A Natureza, ou o engenho humano?
Quem tem poder, ao sol de um fim de ano
de erguer a mão e despejar a chuva?
Não existe. O que existe é a saúva
de terno e de gravata, anel no dedo,
que todo dia acorda muito cedo
e rói sem pena o que possível for.
Perdoai (e evitai) o roedor:
está sendo roído, ele também.

Eu só sei que o Natal um dia vem.
Impressionante como ele não falta.
E todo ano a humanidade incauta
ouve a sineta que a faz salivar.
A igreja do vender e do comprar
reza missa após missa o mês inteiro.
Quem tem mais sorte vê raiar janeiro
e recomeça o ciclo, o carrossel,
outro tijolo ao muro de Babel,
outra volta cruel do parafuso.

E a cada livro que eu em vão produzo
feito um mudo pregando no deserto
em linguagem de Libras, fico certo
de que mais vale a dor de estar fazendo
do que a não-dor do não fazer, e entendo
que a resposta virá. Mas não pra mim.
Se assim for, maravilha; e sendo assim
“taca-le pau”, poeta, faz sextilhas.
Imperfeitas ou não, são tuas filhas,
serão um dia o que restou de ti.

Quando meu pai erguia um Bacardi
inebriava o mundo num sorriso,
mandava um chiste, um verso, um improviso...
e esse momento reverbera ainda.
Se o Natal é um dia em que se brinda
e transformam-se em vinho águas passadas,
então que venham renas, rabanadas,
pacumês, espumantes, Concha y Toro!
Gasta logo, se o Tempo é teu tesouro,
a moeda de ouro deste dia.

Que o mundo fosse outro, eu bem queria,
mas aceito este fato consumado,
de vê-lo assim, desnudo, desvendado
pelo excesso de ser que é sua essência.
Se ele um dia notar a minha ausência,
que faça bom proveito destes versos!
Estarão os meus átomos dispersos
sem notar que outra vez bimbalham sinos
e que nascem milhões de outros meninos
neste ciclo-espiral do circo humano...







4007) Livros do ano 1 (26.12.2015)

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Esta é a época em que os críticos fazem listas dos melhores livros do ano, mas os críticos parecem ler somente o que foi lançado agora. Minhas leituras são aleatórias. Tenho muito mais interesse pela literatura de cem anos atrás do que pela atual. Não que uma seja melhor do que a outra. É mera veneta, cacoete mental; é como achar que qualquer rua de Istambul ou Toronto deve ser mais interessante do que a rua aqui do lado. Dito isto, vamos em frente.

Terminei este ano de ler a coletânea Ghost Stories of Henry James. James é um desses casos meio raros de autores de estilo refinado que escreviam caudalosamente. Como produziu esse sujeito! Seus contos de fantasmas são quase todos psicológicos, de clima, ambientação, ilustrações perfeitas para a teoria todoroviana da oscilação entre explicação real e sobrenatural. Vão do gótico puro de “The Romance of Certain Old Clothes” (1868) até o desdobramento físico em “The private life” (1892). Todos são muito bons. Há uma certa falta de surpresa nos desfechos, mas a literatura de James reside mais nos detalhes do que na estrutura, que é clássica, previsível.

Li este ano O Mago (2008) de Fernando Morais, biografia de Paulo Coelho, desmerecida por alguns por ter sido uma biografia “chapa branca” (autorizada). Biografias autorizadas podem ser boas, sim, menos para quem só pensa em escândalo. Morais traça com precisão o histórico do Mago, e mostra, curiosamente, que desde a adolescência ele sonhava em ser o escritor mais bem sucedido do mundo. Eu achava que ele era um roqueiro que virou best-seller meio por acaso. Não era. Foi um projeto profissional que, com desvios inevitáveis pelo temperamento malucão do personagem, e também da época, sofreu mil contratempos, mas se realizou.

Também este ano terminei finalmente de ler The Crying of Lot 49 (1966), o mais curto dos romances de Thomas Pynchon, mas espantosamente concentrado. A prosa de Pynchon é pesadíssima de alusões culturais, mas em seus momentos mais leves é uma delícia de barroquismo pop. Este livro é um clássico das teorias da conspiração romanescas (ou seja, as que não se propõem como verdadeiras), sobre uma organização secreta de correios infiltrada nos EUA.

The third policeman (1967), de Flann O’Brien, é um dos melhores romances absurdistas que já li (há tradução brasileira). Uma sucessão de episódios fantásticos que parecem dar acesso a universos paralelos, ao Além-túmulo ou a delírios do personagem. Há momentos que lembram Alice de Lewis Carroll, outros que lembram Ubik de Philip K. Dick, outros que dão a impressão de um Jorge Luís Borges tentando escrever um romance policial metafísico. (Continua)




4008) Adeuses 2015 (27.12.2015)

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Amílcar era cineasta e corintiano. Ria de incredulidade quando eu falava dos times por que torço: Treze, Flamengo, Sport, Atlético Mineiro... Para ele, time era paixão, e paixão não pode haver duas. Entre outras coisas em comum, tínhamos o cinema de Roberto Santos, seu mestre. Um dia ele largou São Paulo, perdemos o contato até por Facebook. Só voltei a ter notícias dele quando a doença estava em estágio avançado. Um amigo de sorriso calmo e luminoso, com que compartilhei menos tempo do que pude.

Quando os shows de Elba Ramalho estrondavam no Canecão, com três mil pessoas de pé pulando ao som de ”Caldeirão dos Mitos”, a sanfona estava a cargo daquele paraíba moreno e magrinho que anos atrás tinha sido o esteio melódico e harmônico da banda de Jackson do Pandeiro. Severo ficava às vezes meio deslocado entre aquele grupo de cariocas, meio desconfortável com os figurinos “modernos” que era obrigado a vestir, e nas longas horas de camarim se aproximava de mim para trocar histórias da “Paraíba réa”.

Foram poucos meus encontros com Pipol, cujo nome não sei até hoje, figura querida na contracultura digital paulistana. Foi um dos criadores do websaite Cronópios, onde republicava meus artigos do JPB. Gravou para a web minha palestra sobre Edgar Allan Poe, até hoje um dos meus vídeos mais assistidos. Eu o saudava: “Power to the Pípol!”. Na competitiva São Paulo, ele se destacava pela precisão da ação e pelo alto astral do sorriso, sempre com um bonezinho e um par de óculos jonleno que me lembravam eu mesmo aos 25 anos.

Quando meus pais chegaram a Campina Grande, muito cedo ficaram amigos dos irmãos Félix e Mário Araújo. O primeiro foi morto quando vereador, num crime célebre em 1953. “Seu” Mário era uma espécie de tio a meia distância, morando perto do Ponto 100 Réis. Seus filhos eram quase que meus primos, ele nos dava a todos o mesmo carinho, os mesmos conselhos bem humorados, com seu riso baixo, discreto. Num ambiente carregado como o da política campinense, era referência de elegância, bom senso e bom caráter. Qualidades abstratas que fazem falta, mas nem tanto quando o ser humano concreto.

No Encontro Para a Nova Consciência, Pedro Camargo era o “mestre sem cerimônia”, o apresentador das mesas redondas e dos palestrantes. Mediava conflitos, informava a imprensa, entretinha o público com miniparábolas zen. Ao longo de mais de vinte anos, foram muitas as nossas conversas sobre filosofia, Tarô, cinema carioca, literatura fantástica, política. Dirigiu comédias no cinema, foi editor da revista “Ano Zero”, professor universitário. Um mestre sempre leve, sempre arguto, irônico, compassivo, solidário.




4009) A ditadura do normal (29.12.2015)

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O sujeito mora num país dominado por uma ditadura burocratizada. É de noite, ele está meio perdido num bairro miserável, periférico, tentando voltar para casa. Tenta passar despercebido. E nessa hora ele pensa: “Não que houvesse algum regulamento contra o regresso ao lar por um caminho diferente, mas isso bastava para chamar a atenção da Polícia do Pensamento”.  O trecho é de 1984 de George Orwell, e ele ilustra um princípio básico dos governos totalitários: “Por que esse camarada está fazendo algo de um jeito diferente?”.  

Isto lembra uma velha frase: “Na ditadura o maior perigo não é o ditador, é o guarda da esquina”. Se quem manda no país é Stálin ou Papa Doc, qualquer guarda de esquina pode fazer naquela rua o que bem entender. Quem decide não é o ditador, é ele, é a veneta dele, a idiossincrasia dele, o mau humor ou o bom humor dele. O perigo da ditadura é que todo guarda de esquina é, em sua pura essência, o próprio Stálin ou o próprio Papa Doc.

Vejam como são efêmeras as ditaduras. Papa Doc, o vampiro do Haiti, já foi o símbolo do Mal, na minha juventude. Apodreceu, caiu, foi substituído pelo filho Baby Doc, um gordão cheio de cordões de ouro no pescoço. Baby também foi pro espaço, e aqui estou eu, vivinho da silva, a usá-los como metáforas de si mesmos. Só o Haiti que não mudou. Ficou como aqueles personagens vampirizados que nem a estaca no coração de Drácula consegue recuperar para o mundo dos vivos.
Os sistemas de segurança têm (como vemos em 1984) bons exemplos de técnicas para fazer os dissidentes botarem as unhas de fora, esticarem as cabeças, tornarem-se visíveis e vulneráveis à guilhotina da repressão. A ditadura mais eficiente é a que é controlada por tecnocratas, sujeitos de imaginação basicamente analógica e de caráter basicamente à venda.  O totalitarismo exige previsão, planejamento, controle do futuro. É preciso saber não apenas onde Winston Smith está neste exato momento, como ser capaz de prever onde Winston Smith deverá estar no dia 16 de maio do ano que vem, e fazendo o quê. Tabular as médias, e assinalar os desvios.
Num quadro de controle como esse, o simples ato de voltar para casa por um caminho diferente chama a atenção, é indício de comportamento conflitante. Como no conto de Ray Bradbury “O pedestre”, em que não é propriamente proibido andar a pé pela calçada – mas é estranho, e o sujeito deve ser recolhido e submetido a tratamento. Ou como em O estrangeiro de Albert Camus, onde a certa altura o cara não sabe se está sendo julgado porque matou um homem a tiros ou porque não chorou no enterro da mãe, não se comportou como a maioria das pessoas se comporta.





4010) Outros adeuses 2015 (30.12.2015)

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Durante décadas de convivência minha com Elba Ramalho, o seu irmão Erácliton era sempre uma das pessoas mais animadas que havia em torno. Tocador de violão, puxador daquelas músicas tiradas “do fundo do baú”, fossem sambas ou forrós. Nas mesas do Refavela, o bar de Bel (em Campina), ou no terraço do apartamento da Lagoa, no Rio, ele era sempre uma risada de alto astral. O imprevisto o colheu ao atravessar uma rua em João Pessoa. Foi a primeira vez que nos fez ficar tristes.

Anabela fugiu jovem de Angola, quando a guerra civil passou o rodo no país. Veio parar no Brasil, morou na Paraíba, radicou-se em Mossoró. Viúva, sua casa reunia quem fazia teatro, literatura, música. Era magra, espigada, sempre com um uísque na mão e um cigarro nos dedos; ria muito, não tinha papas na língua, e com sotaque lusitano carregado não dava bola para a opinião do povo. Nosso último encontro foi numa farra das dez da noite às oito da manhã. Uma cirurgia problemática a levou do nosso mundo, mas não daqui.

A vida é cheia de simetrias. Meu pai era do Recife e veio ter os filhos, e criá-los, em Campina Grande. Seu Geraldo era de Campina e foi ter os seus no Recife. Era comunista da velha guarda (daí ter um filho chamado Lenine), o que significa aquela velha guarda humanista, amante das letras e das artes, para a qual o indivíduo tem uma importância tão grande quanto o coletivo. Grande papo sobre qualquer assunto, com histórias do arco-da-velha sobre uma Campina antiga onde ele e meu pai começaram uma amizade que se prolongo entre mim e seu filho.

Quando comecei a fazer meus primeiros shows musicais entre o Recife e Olinda, no final dos anos 1970, fiquei amigo de uma turma de jovens jornalistas no circuito que cobria do Bar do Ninho à Rua do Hospício. Entre eles reencontrei Juliana Cuentro, que era da antiga rapaziada da Rua Solon de Lucena, em Campina, filha de amigos dos meus pais. Éramos da mesma geração, e ela vibrava tanto com minhas músicas que fez uma das primeiras grandes matérias sobre o Trupizupe, que me deixou cheio de responsabilidades poéticas e com fumaças de cantor de verdade.

O fandom da ficção científica é um feudo de batalhas e disputas constantes, onde as preferências literárias e cinematográficas são defendidas como se fossem outras tantas pátrias ameaçadas pelas hordas bárbaras. Pierluigi Piazzi (ex-radialista, ex-professor de cursinho, fã de “Star Trek”) era exuberante, falador, eloquente na defesa dos autores que admirava e na gozação sobre os que não curtia. Deixou aos fãs de FC (e a dezenas de milhares de ex-alunos paulistanos) a editora Aleph, e mil histórias impagáveis.



4011) Livros do ano 2 (31.12.2015)

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Os dois últimos livros que li em 2015 não poderiam parecer mais diferentes um do outro, mas têm um inquietante detalhe em comum. O penúltimo foi a biografia Trotsky (1986) escrita por Paulo Leminski, e incluída no volume Vida (Ed. Sulina, 1990, ao lado das vidas de Cruz e Sousa, Bashô e Jesus Cristo). O outro, que estou prefaciando para uma reedição da Alfaguara para este ano, foi A Guerra dos Mundos (1898) de H. G. Wells. O que os dois têm em comum? O terror da fome.

Leminski evoca, com traços rápidos e vigorosos, a devastação produzida na Rússia pela I Guerra Mundial e pela Guerra Civil que se seguiu à Revolução de 1917. Além dos milhões mortos pela guerra, milhões morreram de inanição nas estepes da futura URSS. E Wells descreve o terrível mês subsequente ao desembarque devastador dos marcianos na Inglaterra. O terror de não ter o que comer, e as coisas que as pessoas roem com sofreguidão para não morrerem.

Quando a civilização colapsa, todo mundo continua precisando comer todo dia. Seguem-se saques, arrombamentos, assaltos, a maioria feita por pessoas que jamais colheriam sem autorização uma goiaba na goiabeira do vizinho. Mas a fome transforma todo mundo, primeiro em bandidos, depois em animais. Tal como acontece em Ensaio sobre a Cegueira (1995, lido em maio) de José Saramago, onde a fome é agravada pela cegueira. Saramago lembra Wells inclusive na ausência de nomes próprios nos seus personagens designados por detalhes (o médico, o clérigo, etc). E na lucidez sobre as coisas de que o ser humano é capaz.

Literatura fantástica? Não tanto quanto a terrível fome que devastou a Itália durante a campanha da FEB na II Guerra, descrita por Boris Schnaiderman em Guerra em Surdina (1964; lido em agosto). A fome dos pracinhas ilhados na neve, mas principalmente a fome da população local, e o modo discreto, tocante, como as jovens italianas se entregavam em troca de algumas latas de conservas, diante da família que fazia que não estava vendo. Uma área cinzenta separando sexo livre, estupro e prostituição, descrita de modo compassivo e honesto pelo autor.

Coisa do passado? Nem tanto, se pensarmos nos condôminos do High Rise (1975, lido em novembro), onde a fome e a sede levam aqueles profissionais liberais da Londres afluente do futuro à prostituição, ao crime, ao canibalismo. Se hoje há pessoas capazes de matar por um celular, o que não farão por um pedaço de comida, quando o possível colapso econômico futuro estancar a produção e comercialização de alimentos? Que pai conseguirá evitar a “necessidade de também ser fera”, quando somente as feras serão capazes de alimentar seus filhotes? (Continua)







4012) Resoluções de Ano Novo (1.1.2016)

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Inventar uma sopa que seja de carne e de feijão, em faixas alternadas. 

Descobrir onde foram parar todas as canetas Bic que perdi em 2015. 

Passar um telegrama para “Trupizupe, o Raio da Silibrina, Campina Grande, PB” e ver se chega. 

Ensinar os brinquedos da minha filha a se arrumarem sozinhos. 

Arranjar um clone para ir no meu lugar aos compromissos. 

Pintar “Guernica”. 

Comprar um armário que tenha uma porta secreta para o reino de Nárnia ou pelo menos para o cabaré da Nega Filomena. 

Juntar lençol, travesseiro, água mineral e livros, e passar cinco semanas num balão. 

Gravar um DVD toda vez que for a uma mesa de bar, vender e ficar rico. 

Arranjar um cachorro que saiba trazer meus chinelos e acender meu cachimbo. 

Tomar remédio para orelha grande. 

Comprar um ringue de boxe, botar na praça e cobrar dez reais por round, luvas incluídas. 

Remexer a casa toda, pra valer, até achar um objeto que, com sorte, eu vou reconhecer quando encontrar. 

Ter mais paciência com os outros. 

Pescar, logo na primeira tentativa, um peixe de 2,750 kg. 

Guardar um grão de arroz dentro de um diamante. 

Instalar na minha sala uma máquina de caldo de cana, um Banco 24 Horas e um telescópio. 

Vender meu cadáver, antecipadamente, a uma Faculdade de Medicina. 

Pegar o Expresso Transiberiano até a última estação e lá decidir se vale a pena voltar. 

Jogar uma partida de xadrez contra o computador e ganhar roubando. 

Localizar a cópia completa de “Sob o Céu Nordestino” que se perdeu em Paris após a morte de Walfredo Rodriguez. 

Pular toda noite o muro de alguma casa e abrir as gaiolas dos passarinhos. 

Atribuir uma letra do alfabeto a vinte e seis objetos aleatórios, e ir anotando as palavras que eles irão formando ao serem vistos no dia a dia. 

Cruzar a Paraíba a pé, da Ponta do Seixas à fronteira com o Ceará. 

Fazer um filme com uma cantoria em tempo real, sem cortes, em plano sequência, dure quantas horas durar. 

Zerar um videogame, não importa qual. 

Percorrer de moto todos os Estados brasileiros. 

Extrair a raiz quadrada da “Mona Lisa”, plantar o resultado no jardim e fazer um suco com a fruta que nascer. 

Montar num tubarão. 

Traduzir um livro meu para o inglês. 

Aprender a dançar tango para o caso de um dia alguém me chamar para ser ator num filme argentino. 

Tatuar no antebraço esquerdo que meu sangue é A-positivo e que sou alérgico a AAS. 

Publicar um poema de Adão Ventura com meu nome e ver quantos anos demora até alguém perceber. 

Assistir um filme no Cine Capitólio e outro no Cine Babilônia. 

Montar uma tapiocaria vendendo tapiocas em todos os sabores com que se vendem pizzas. 

Fazer o check-up que não fiz de novo no ano que passou.






4013) Livros do ano 3 (2.1.2016)

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Uma das histórias mais antigas é a do jovem intelectual de província, cheios de sonhos literários (ou musicais, cinematográficos, etc.) que parte para a cidade grande e mergulha na vida boêmia, nas discussões estéticas e existenciais, e passa por experiências que, a depender de cada caso, o levarão à fama, ou às drogas, ou à fortuna, ou ao suicídio. Às vezes tudo isto junto.

Que melhor exemplo do que o Dylan Thomas de Portrait of the Artist as a Young Dog (1940, http://tinyurl.com/oqml4hj), que começa garoto, fotografando em contos curtos a vidinha interiorana do País de Gales, e no final já está jornalista e poeta, frequentando puteiros, e se preparando para seus voos internacionais futuros? Existe nele algo do Vivaldo de Numa terra estranha (1962, http://tinyurl.com/nrtkpar) em sua vida boêmia e meio sem rumo, e do (ator) Eric que foge para a França à procura de um ambiente menos asfixiante.

Paris foi um símbolo para uma geração inteira de norte-americanos, como James Campbell descreve em Paris Interzone (1994, http://tinyurl.com/o6ux4mb). O maior contingente era de escritores negros (como Baldwin), mais respeitados e mais bem tratados na Europa do que em casa. Paris recebia com civilidade tanto negros como homossexuais, e Baldwin sentiu-se duplamente em casa. E existia lá, ao mesmo tempo, um ambiente receptivo para uma certa literatura de vanguarda como a dos Textos para nada (1950-52, http://tinyurl.com/pbd2to9) de Samuel Beckett. O livro de Campbell dedica longos e proveitosos capítulos a editoras semiclandestinas como a Olympia Press, de Maurice Girodias, que publicava romances pornográficos e no meio deles lançou, além de Beckett, a primeira edição de Lolita de Nabokov.

Era uma França pós-Guerra, invadida e conquistada pela cultura pop norte-americana, o jazz, o romance policial, a ficção científica. Tudo isso convergiu para a obra de sujeitos fascinantes como Boris Vian, que ganhou de Françoise Renaudot a fotobiografia Il était une fois Boris Vian (1973, lido em julho). Vian escreveu romances policiais fingindo-se de autor negro dos EUA (Vou cuspir no seu túmulo, sob o nome de Vernon Sullivan), escreveu FC, foi membro do Collège de Pataphysique, foi trumpetista de jazz, grande compositor de cançonetas românticas ou satíricas. Sua vida e sua obra sintetizam essa época que, mais do que qualquer outra, gravou na memória do tempo a imagem de uma Paris libertária, igualitária, fraterna – mas somente nos cafés e nos bares onde cineastas, existencialistas, negros americanos, romancistas argelinos e músicos de jazz criaram uma república invisível das letras e das artes. (Continua)






4014) Livros do ano 4 (3.1.2016)

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O pessoal me cobra às vezes uma cobertura da literatura nacional, nesta Coluna Prestes. (Chamo-a assim porque é uma coluna que está sempre prestes a dizer alguma coisa importante, promessa eternamente adiada para um futuro ainda fora de foco.) Lamento informar (ou melhor, regozijo-me em informar) que não sinto a menor obrigação de vigiar daqui a literatura brasileira, ou paraibana, ou japonesa. Quando não estou sendo pago para ler algo (resenhas, traduções, prefácios, pesquisas, etc.) leio por prazer, e por prazer somente. Se um livro não me prende, pode ser do meu melhor amigo ou do autor mais célebre do cânone: volta pra estante, e pego outro. Sou um homem livre para decidir o que vou ler. É só nisso que sou livre; é certamente pouco; e para mim é o bastante.

O mundo está cheio de poetas que não gostam de ler poesia. Não é o meu caso. Minha dificuldade é que frequentemente não entendo os poemas, ou melhor, consigo acompanhar o que dizem, mas o texto não me produz novas sinapses. Não é culpa minha nem do poema, é que a experiência poética requer um mesmo diapasão, uma sintonia vibratória, que muita gente, aliás, não sente com o que eu próprio escrevo. Paciência; é do jogo.

Em todo caso, li (em alguns casos, reli) este ano, com prazer e proveito, livros como Por sobre as cabeças (João Andrade), 100 repentes memoráveis (Jomaci Dantas), Mini Sertão (Nonato Gurgel), Da preguiça como método de trabalho e Canções (Mario Quintana), Até nenhum lugar (Ademir Assunção), O mapa da tribo (Salgado Maranhão), Nômada e Experiências Extraordinárias (Rodrigo Garcia Lopes), Versos Pornográficos (Chico César), Outro (Augusto de Campos), Sonetos de Campos, Sonetos de Moraes e Critica Syllyrica (Glauco Mattoso), Cabeça de José (Patricia Galelli), Sociedade Vertical (Caco Pontes), Cavalo Alazão (Pedro Nunes Filho), Muito antes da meia noite (Cristiano Ramos), Compêndio para uso dos pássaros (Manoel de Barros), Pelos pelos (Alice Ruiz), Esculturas fluidas (João Paulo Parisio).

Na prosa, destaco entre outros títulos o romance de Maria Valéria Rezende, Quarenta dias, mergulho de uma professora paraibana nas ruas de uma Porto Alegre misteriosa e real (que me lembrou um pouco o clássico Noite, de Érico Verissimo), Enquanto Deus não está olhando de Débora Ferraz (uma João Pessoa sem nome e sem código de barras, mas reconhecível em cada descrição de bar, em cada detalhe da arquitetura, em cada rompante emocional e torção do diálogo de seus personagens),  e os contos compactos, às vezes elípticos, mas sempre minuciosamente burilados de Everardo Norões em Entre moscas. (Continua)




4015) Livros do ano 5 (5.1.2016)

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Eu não vivo pesquisando a literatura sobre o Sertão e suas variantes (Cariri, Pajeú, etc.), mas ela não para de me chegar de todos os lados. Fala-se que basta ler Euclides da Cunha ou Guimarães Rosa para saber o que é o Sertão. Não basta. O ponto de vista de um autor é só o dele, por mais rica que seja sua experiência. Nenhum grande autor esgota um assunto; seus livros são o que se chama de “condições necessárias mas não suficientes”. O Sertão (qualquer tema, aliás) é um bufê self-service. Não adianta ficar se servindo de um prato só, por mais bem feito que seja.

Dou o exemplo curioso de dois irmãos escritores com a mesma origem e vivências semelhantes, com dois livros diferentíssimos e complementares que li este ano. Cariris Velhos (2008, http://tinyurl.com/n3sjqlm), de Pedro Nunes Filho, é uma obra de história cultural onde a memória da terra ganha discernimento e foco por meio da pesquisa sobre a colonização desta região da Paraíba. Já No Sertão Onde Eu Vivia (2014, http://tinyurl.com/lf8kguo) de Zelito Nunes é uma recolha de anedotas e episódios pitorescos onde brota o jeito de pensar sertanejo – caririzeiro, pajeuzeiro, etc., porque são tudo cores da mesma luz.

O Sertão, para um urbanóide como eu, é precedido pelas histórias que se contam sobre ele, e que são as roupas com que ele se traja para ser visto em público. Histórias como as assombrações de Maldito Sertão (2012, http://tinyurl.com/ntbp8nv) de Márcio Benjamin, as histórias de fantasmas, coisas ruins, feitiços, criaturas da noite. Ou como os encantamentos de O Monstro das Sete Bocas (2015, http://tinyurl.com/mefb9x7) de minha irmã Clotilde Tavares, onde se misturam lendas orais, enredos de cordel ou de Trancoso, numa cadeia de narrativas-dentro-de-narrativas, com personagens que viram narradores.

O lado cruel do Sertão se revela em livros como O Dragão (reedição de 1999, http://tinyurl.com/pgfeadc) de José Alcides Pinto, um apocalipse a prestação, contando a vida de um povoado lá no calcanhar das botas de Judas, fustigado pela seca, pelas enchentes, pelas epidemias, pela violência onipresente entre pessoas crestadas por um sol indiferente e alucinógeno. É o Sertão mitológico de Euclides e de Rosa, aquele onde “a luz assassinava demais”.

Para entendê-lo, pode ser útil a leitura da obra e da vida do inventor do cordel nordestino, em Leandro Gomes de Barros - Vida e Obra (2015, http://tinyurl.com/kpbag9b) de Arievaldo Vianna. Os cordéis de Leandro são o Sertão, mesmo quando ele fala dos Pares de França ou da carestia recifense. Para ver o Sertão é preciso ser capaz de olhar para a cidade com os olhos do Sertão, e vice-versa. (Continua)




4016) Livros do ano 6 (6.1.2016)

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Neste balanço das leituras do ano constato que li pouca coisa dos meus gêneros preferidos, policial e ficção científica. Em colunas anteriores comentei, em outros contextos, alguns livros de FC/fantástico (A Guerra dos Mundos, High Rise, Ensaio sobre a Cegueira). Tenho que mencionar dois livros que não só li como traduzi, o segundo e o terceiro volumes da trilogia “Comando Sul” de Jeff VanderMeer, da Editora Intrínseca: Autoridade e Aceitação (este deve sair em 2016). VanderMeer criou um pesadelo tarkovskyano sobre um contato alienígena com a Terra, numa narrativa complexa, com diferentes pontos de vista de personagens inesquecíveis. É uma trama tão cheia de mistérios e de detalhes que pretendo reler os três livros como se fossem um só, daqui a algum tempo.

The Black Room de Colin Wilson (1971; lido em fevereiro) é um thriller de espionagem com base ligeiramente FC: técnicas de lavagem cerebral através do uso do “quarto negro”, uma câmara de privação dos sentidos. Como sempre, Wilson é melhor no romance policial do que na FC; este thriller tem algo de John Le Carré e seu final brusco obriga o leitor a deduzir tudo que vem depois. E terminei a leitura de The Strength to Dream: Literature and the Imagination (1962; lido em fevereiro), onde Wilson faz um balanço meticuloso de dezenas de autores mainstream cuja obra roçou pelo fantástico, além de autores fantásticos típicos como Lovecraft.

Fiz para a editora Aleph um posfácio para O Planeta dos Macacos (1963; lido em março), que me lembrou mais uma vez a necessidade de conhecer melhor a FC francesa, cujos autores se influenciam pela FC dos EUA com tanta independência, tanta antropofagia. Tenho o hábito de não deixar passar um ano sem ler um livro novo de Philip K. Dick: este ano foi a coletânea The turning wheel (1977; lido em março). Acho que Dick era mais pulp fiction nos contos e mais literariamente articulado nos romances. O lado bom dos contos é que ele podia dar rédea solta a algumas idéias completamente surreais, sem se preocupar muito.

Por fim, acabei lendo poucas HQs fantásticas no ano. Gostei bastante de O Perfura-Neve (1984; http://tinyurl.com/knyjsjw) de Lob, Rochette e Legrand, um épico de futuro apocalíptico em três partes, que mudou de estilo e grafismo ao longo da publicação seriada; Da Terra à Lua (2014) de Estêvão Ribeiro, fundindo duas narrativas clássicas de Verne e Wells; Quando Meu Pai se Encontrou com o ET Fazia um Dia Quente (2011) de Lourenço Mutarelli, um episódio absurdista e burroughsiano; e Uzumaki, a Espiral do Horror (1998-99) de Junji Ito, um horror com sombras de Poe e grafismo de tirar o sono.





407) Cinco surpresas (7.1.2016)

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Em plena crise institucional, com a imprensa pedindo sua cabeça e o embaixador norte-americano garantindo que não haveria intervenção, o Presidente da Ruritânia convoca uma reunião extraordinária com todo o seu Ministério. Ao tomarem assento no Salão Azul, ele percebe a presença de três ou quatro cavalheiros que nunca vira mais gordos. Chama o Ministro da Casa Civil, faz-lhe a pergunta, discretamente, e recebe como resposta: “São os novos Ministros que o senhor vai empossar amanhã”.

Ferdinando teve uma crise súbita de labirintite e saiu do escritório no meio da tarde. O celular da esposa dava desligado ou fora de área. Ao entrar em casa, ouviu ruídos, e depois um silêncio esquisito. Foi direto ao quarto, abriu a porta. A esposa estava nua, pulsos e tornozelos atados às colunas da cama. Ele teve um sobressalto de susto e ela gritou: “Primeiro de abril!!!”. Estavam em meados de setembro.

Flávio estava elaborando um documento jurídico qualquer, e precisou do Dicionário Latino, no qual não pegava desde o tempo da faculdade. Ao folhear o volume, caíram de dentro dele os dois ingressos para o show de Bob Dylan no Imperator, em 1991, os mesmos ingressos que anos antes ele procurara em vão nos bolsos, esbaforido, apavorado, diante dos olhos blasê da possível namorada que logo em seguida deu um muxoxo, pegou um táxi ali mesmo e sumiu para sempre.

Aos 17 anos, Fábio Luís ainda era obrigado pelos pais a ir a todos os lugares onde eles iam. Naquela noite foram ao aniversário de um tio, cinquentão e divorciado. Durante as intermináveis rodadas de pizza diante da TV e do “Fantástico”, o tio segredou ao seu ouvido: “Tá a fim de um fuminho? Bora lá no quintal”. Ele esperou alguns minutos depois do tio sumir e se esgueirou sem ninguém ver, por entre a escuridão cheia de goiabeiras. Encontrou o tio junto à parede de um depósito de lenha. Sussurrou: “E aí, cadê o bagulho?”. O outro o abraçou soluçando: “Não tem bagulho, tem amor, somente amor, para quem aceite ser amado.”

Sebastião foi arregimentado para botar sanfona em duas ou três faixas de um álbum da banda Asa Amarela. Tímido, foi apenas no último dia que ele criou coragem para mostrar ao líder do grupo, Arleysson Pantera, seu forrozinho inédito “Volta Meu Bem”. Foi tiro e queda, aprovação unânime, tudo a ver com o repertório, a banda aprendeu na manhã seguinte, a música foi gravada à tarde. Um mês depois, Sebastião viu na vitrine da loja o CD, e nem esperou que alguém lhe mandasse um, entrou e foi logo comprando, rasgando o celofane, inebriado pela felicidade de ver pela primeira vez seu nome como autor de uma música gravada profissionalmente num disco de verdade.





4018) O poder do sonho (8.1.2016)

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O físico John N. Bahcall disse certa vez: “As descobertas mais importantes trazem respostas para perguntas que ainda não tínhamos condições de formular, e dizem respeito a objetos que não tínhamos como imaginar até então”. Parece irônico, mas na Ciência a gente muitas vezes encontra a resposta antes de ter uma pergunta para ela. Quando Einstein propôs sua Teoria Especial da Relatividade, em 1905, faltava-lhe uma formulação matemática adequada (consta que ele não era um grande matemático; suas descobertas eram mais intuitivas do que formais). Então seu ex-professor Hermann Minkowski mostrou que esse arrazoado matemático já existia, independentemente das descobertas no campo da Física. Era, de certo modo, um raciocínio já pronto e clarificado, só que não tinha aplicação prática. Era uma resposta em busca de uma pergunta – que foi fornecida pela Física.

O trabalho criador do cientista (porque um cientista faz outros trabalhos que não são criadores) parece muito com o do artista; ele avança meio cegamente, guiado pela imaginação, associação de idéias, intuição, palpite, obsessão maníaca, o que for. Vai descobrindo coisas que não sabe o que são.  Uma das melhores descrições desse impulso criador coletivo é de Nietzsche em A Gaia Ciência (1882; trad. Paulo César de Souza):

“Então vocês acham que as ciências teriam surgido e progredido, se os feiticeiros, alquimistas, astrólogos e bruxas não as tivessem precedido, como aqueles que tinham antes de criar, com suas promessas e miragens, sede, fome e gosto por potências escondidas e proibidas? Não veem que foi preciso prometerinfinitamente mais do que era possível realizar, para que algo se realizasse no âmbito do conhecimento? – Talvez, da mesma forma como nos aparecem hoje os prelúdios e exercícios prévios da ciência, que nãoforam praticados e percebidos como tais, também a religião inteira se apresente como exercício e prelúdio para alguma época distante: ela poderá ter sido o meio singular de alguns indivíduos poderem fruir toda a autossuficiência de um deus e toda sua força de autorredenção. Sim – é lícito perguntar --, teria o ser humano aprendido, sem a escola e pré-história da religião, a sentir fome e sede de si e encontrar saciedade e plenitude em si? Foi preciso que Prometeu imaginasseantes haver roubado a luz e pagasse por isso – para finalmente descobrir que havia criado a luz, ao ansiar por ela, e que não apenas o ser humano, mas também a divindadefora obra de suas mãos e argila em suas mãos? Tudo apenas imagens do formador de imagens?  -- assim como a ilusão, o furto, o Cáucaso, o abutre e toda a trágica Prometeiados homens do conhecimento?”




4019) A Vida e os Tempos de Minotauro Bob (9.1.2016)

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(ilustração: Alberto Russo)

Cap. 1 – De como Minotauro Bob explodiu na cena roqueira nordestina à frente de uma banda pegada-no-laço, sem ensaio, sem passagem de som, um mero agrupamento de quatro rapazes destreinados aos quais ele passou uma única instrução: “O tom de tudo é Sol Maior, e a levada é assim, ó”. 

Cap. 2 – De como a repercussão dos primeiros shows foi tamanha que convites para gigs começaram a pipocar nos dois celulares do hirsuto vocalista, e quando ele atendia um dizia para ligar pro empresário dele e dava o número do outro celular, o qual atendia com voz modificada. 

Cap. 3 – De como numa noite de verão o trânsito dos quarteirões em volta do Bar de Zeco, em Serra Redonda, foi bloqueado pela multidão que compareceu ao show de Minotauro Bob e a Banda Asterion, intitulado “O Som é Esse e a Porta é Por Ali”. 

Cap. 4 – De como isto foi apenas o começo de um torvelinho insone de rock ensurdecedor, microfonias, suor, acotovelamento, cerveja morna, pegação, camarins repletos de groupies disfarçadas de repórteres e de repórteres que viravam groupies, e comemorações pós-show mais ruidosas do que os shows propriamente ditos.

Cap. 5 – De como Minotauro Bob inaugurou o costume de, bebida a última cerveja do camarim, pular e cair sentado dentro da caixa de isopor cheia de gelo.

Cap. 5 – De como Minotauro Bob foi pêgo comendo bode guisado numa birosca-com-sinuca no bairro do Tombador e espinafrado por dois cabeludos para quem “rock é religião e bode era comida de forrozeiro”, e sem parar de mastigar ele pegou os dois e deu uma surra num usando o outro de chibata.

Cap. 6 – De como Minotauro Bob se apaixonou por Suze Leruá, astróloga, tatuadora, com lojinha na rua Índios Cariris, e os dois se envolveram num fetiche sexual zumbidor, pintando sereias por cima de caveiras da SS, transformando a cara de Bowie num cybercamaleão e por aí vai.

Cap. 7 – De como a banda foi contratada por engano para tocar num reveillon num resort tropical na Costa do Sauípe, e com 15 minutos de show os bacanas locais, uiscados até o talo, invadiram o palco de garrafas em punho para interromper uma suposta felação recíproca entre dois roadies bêbados.

Cap. 8 – De como o hospital e a prisão devem ter mexido no software de Minotauro Bob, porque na cadeia ele aprendeu a tocar violão, converteu-se à Psicanálise Quântica, escreveu um livro infantil (tudo isso em dois meses), casou com Suze no dia em que foi libertado, mudou o nome da banda para Rasante de Teco-Teco, emplacou uma música numa novela, ficou rico e está rico até hoje, o que mostra que o mundo pode ser mesmo sartreanamente absurdo, mas que Deus de vez em quando aparece para assinar o ponto.






4020) A Língua Portuguesa (10.1.2016)

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Existe uma oposição, que acho equivocada, entre linguagem coloquial e norma culta. Oposição que no Brasil (talvez em outros lugares também) ganhou um viés de marca de classe. Ser de classe superior é ser capaz de usar uma linguagem culta, gramaticalmente impecável, para demonstrar estudo. Gramática, ortografia, pronúncia e vocabulário são crachás necessários na subida da pirâmide social. É bom, é ruim, é certo, é errado? Não sei, o debate está em aberto, sempre acho melhor saber das coisas do que ignorar. Não se organiza essas coisas por decreto, e o fato é que aqui funciona assim.

Vem daí esse sintoma linguístico das pessoas usarem palavras de fora da linguagem comum quando querem alegar superioridade social e moral sobre os outros. Quando um político precisa afirmar em público que é um homem honesto, estas palavras (tão humanas, tão honestas!) não lhe bastam. Dizer isso qualquer pé-rapado pode! Ele precisa dizer que é um “cidadão de reputação ilibada”, e com esse vocabulário acredita estar colocando em xeque pelo menos dois terços dos que o criticam. Falar assim é como dizer: “Eu estou de terno e gravata. E você? Jeans e havaianas? Rá-rá-rá.”

A história da língua brasileira é a história de uma progressiva desternoegravatização da fala, do abandono de uma língua engessada, protocolar, em favor de uma língua mais flexível, solta, aberta para novidades, capaz de reproduzir o sentimento e a personalidade do falante em cada momento. Me espanta saber que ainda hoje existe quem ache errado usar pronome oblíquo em começo de frase. E impressiona constatar que cem anos atrás Lima Barreto já escrevia como escrevemos hoje, e que as academias literárias de hoje estão repletas de seguidores de Coelho Neto - no que Coelho Neto, grande escritor, tinha de pior: a pompa ornamental da prosa.

Isto não quer dizer que todo mundo deva falar como os personagens de Adoniran Barbosa ou de Patativa do Assaré, mas que uma língua madura e saudável é capaz de acolher essas variantes sem que seu núcleo desmorone. E o núcleo da língua não é o juridiquês insuportável do editorialismo político e classista de nossa imprensa. O núcleo é Camões e é Machado, é o Padre Vieira e o cachaceiro Gregório de Matos, é Oswald de Andrade e seu aparente antípoda Fernando Pessoa. E são também (olha o pulo de susto!) os letristas da música popular, que muitas vezes dominam a gramática e o vernáculo melhor do que muitos medalhões. Melhor do que muitos beletristas que se dão ares mas não sobreviveriam na palavra impressa sem a proteção invisível da força-tarefa de revisores que caminha atrás deles, limpando os erros que deixam cair pelo caminho.







4021) Como fugir pelo mato (12.1.2016)

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(ilustração: Silas Manhood)

A principal vantagem de fugir pelo mato é não poder mais ser visto depois de uma certa distância. A fuga é mais lenta, mas não importa. Carreira desabalada é para quem foge na rua, na estrada, em campo aberto. No mato, deve-se avançar sem paradas, sem hesitações, andando, desviando-se de obstáculos, ganhando terreno a passos largos, e mantendo esse ritmo durante horas, sem parar.

Procurar espaços onde o avanço pode até ser mais lento, mas em compensação você não possa ser visto. Se for avistado em campo aberto, mesmo correndo você já perdeu a sua maior vantagem. Pise com cuidado. Um caco de vidro, uma pedra pontiaguda, podem ser a diferença entre a vida e a morte, para quem está com um tênis ou sapato leve. Mude de rumo com frequência, mas sem perder de vista a direção de onde veio. Fugir voltando não vai adiantar nada.

Atenção ao latido dos cachorros. Procure afastar-se. Se começarem a ficar mais próximos você vai ter que procurar uma árvore. Oriente-se pela posição do sol, ou da lua e das estrelas, se houver. Não precisa saber nome de constelação ou coisa parecida. Basta estabelecer um ponto de referência e mantê-lo sob controle. De vez em quando pare por meio minuto para escutar Aproveite para respirar melhor. Só olhe para trás nesses momentos.

Lembre-se de que você pode escolher para onde vai, e seus perseguidores é que têm a obrigação de descobrir para onde você foi.  Ao encontrar uma cerca, melhor do que pular e seguir em frente é pular e seguir ao longo dela. O mesmo quanto a um rio. Se achar uma estrada ou caminho-de-roçado, por onde passam os burros e as motos, vá por ele, mas parando e escutando sempre: passa gente ali.

Nunca imagine que já se livrou dos seus perseguidores. Também não fique pensando que eles estão a um minuto de alcançá-lo. Pense assim: “Eles estão vindo na direção certa, mas têm que avançar mais devagar do que eu. Enquanto eu continuar avançando, tenho chances.” Se avistar uma rodovia, vá na direção dela, mas mantenha distância: seus perseguidores podem estar vindo por carro. Acompanhe-a de longe até avistar um posto de gasolina, ou outro tipo de parada onde você pode pegar carona clandestina num caminhão ou outro veículo, sem ser visto, e ir para bem longe.

Fugir pelo mato é uma arte cultivada há milênios, que já salvou a vida de milhões de pessoas. A inexistência de tratados didáticos a respeito mostra o quanto a nossa sociedade está preparada para as regras, não para as exceções, e nos momentos cruciais em que tudo é uma questão de vida ou morte ficamos dependendo dessa memória ancestral gravada em nosso DNA. Fica aqui esta modesta contribuição. Nunca se sabe.




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