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4030) Os ritmos da prosa (22.1.2016)

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(Bandeira e Augusto F. Schmidt)

Manuel Bandeira é a figura central de qualquer estudo sobre o ritmo e a métrica na poesia brasileira. De formação rígida no metro tradicional, foi ele quem demarcou com maior sutileza e variedade a nossa transição para o verso livre. Todos os outros poetas, neste aspecto, são pós-Bandeira. Numa crônica reunida em Os Reis Vagabundos (1966) ele comenta um texto de Augusto Frederico Schmidt sobre a obra de outro poeta (modestamente omite que o poeta é ele próprio), e diz que vê a si mesmo como um catador de poesia na prosa alheia, um “desgangarizador” (expressão de Couto Barros, diz ele, para quem encontra pepitas de poesia na ganga bruta da prosa alheia). E avisa: “A poesia é como um rádium – o milésimo de miligrama constitui uma riqueza que não se deve deixar perder.”

Agulhado por uma imagem que o comoveu, Bandeira pega dois trechos de Schmidt, remonta-os, faz pequenas alterações a bem da sintaxe, e transcreve o poema que encontrou:

PALAVRA A UM POETA. A luz da tua poesia é triste mas pura. / A solidão é o grande sinal do teu destino. / O pitoresco, as cores vivas, o mistério e calor dos outros seres te interessam realmente / mas tu estás apartado de tudo isso, porque vives na companhia dos teus desaparecidos. / Dos que brincaram e cantaram um dia à luz das fogueiras de São João. / E hoje estão para sempre dormindo profundamente. / Da poesia feita como quem ama e quem morre / caminhaste para uma poesia de quem vive e recebe a tristeza / naturalmente / - como o céu escuro recebe a companhia das primeiras estrelas.”

É um exercício interessante comparar essa descoberta dele com uma descoberta inversa, feita por um amigo, de um “poema” dele próprio num texto em prosa. Está no livro Opus 10 e intitula-se “Poema Encontrado Por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada”. No Itinerário, a certa altura Bandeira fala das duas semanas que passou, em 1926, no Saco de Mangaratiba (RJ), e da longa viagem noturna de canoa, para pegar o trem de volta ao Rio de Janeiro. Essa viagem extenuante rendeu-lhe um longo poema composto mentalmente, num “subdelírio de extrema fadiga”, e do qual (como do “Xanadu” de Coleridge) se salvaram apenas as poucas linhas que intitulou “Oração no Saco de Mangaratiba” (em Libertinagem).

E se salvou também este trecho de prosa, em sua memória do acontecimento, que Thiago de Mello reorganizou assim, em linhas quebradas: “Vênus luzia sobre nós tão grande / tão intensa, tão bela, que chegava / a parecer escandalosa, e dava / vontade de morrer.”  Dessa noite de lúcido cansaço ficou-lhe também o título que deu a um dos seus livros mais conhecidos: Estrela da Manhã, de 1936.





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