(José Gonçalves, foto Roberto Coura)
“Cantar repente é como mentir, o cara precisa ter boa memória. O repentista precisa tanto de uma memória farta quanto precisa de ligeireza no repente. Como ele pode ter ligeireza se a memória dele não for bem organizada, e bem cheia de coisas? O cara precisa lembrar, na hora que lhe vem uma idéia de um verso, no instante das palmas, e quando as palmas diminuírem ele tem que entrar cantando, ele tem que saber se aquele verso é dele mesmo ou é um dos milhares de versos dos outros que ele sabe de cor. Muitas vezes o cara canta um verso alheio sem perceber e nunca teve essa intenção, mas passa a ser tido como aproveitador. Melhor evitar.
“Precisa ter boa memória para os nomes das coisas: dos lugares, das pessoas, de todo mundo que está presente naquela noitada, naquela viagem, naquele acontecimento. Tem que saber também as informações dos livros, e aí o céu é o limite, mas ele tem que ter. Não adianta estar cantando sobre o Papa ou sobre um craque do futebol se não hora H errar ou não souber o nome do Papa ou o apelido do craque.
“Precisa ter boa memória também porque às vezes acontece de você ir fazer um verso e o verso não sair muito bom, por umas escolhas erradas de rima, ou qualquer besteira assim. Aí, não sei quantos anos depois, acontece uma chance de você poder voltar àquele verso, você improvisar aquele verso de novo, e o fato de já ter pensado nos problemas dele ajuda você agora a organizar as palavras de uma maneira melhor. O nome disso também é improviso.
“Precisa ter boa memória também para reconhecer o verso alheio que está sendo imitado ou repetido pelo companheiro, para ficar alerta e usar essa informação do modo que lhe convier. Porque acontece de, sem ser combinado, alguém se pegar com um decorado e você ficar queimando óleo pra inventar versos do nada. Pra depois dividirem a bandeja por igual.