(ilustração: José Paulo, 1990)
Muitas tentativas de definir o gênero “conto” partem de um pressuposto errado, o de que o conto tem uma única forma, uma natureza que pode ser resumida numa única fórmula. Mas o conto não tem um desenho formal obrigatório como têm certas formas fixas da poesia, tipo o soneto. Qualquer poema de 14 linhas divididas em dois grupos de quatro e dois grupos de três, com o mesmo número de sílabas em cada linha, pode ser chamado de soneto ( de modelo italiano, no caso), independente do idioma, do assunto, da cadência rítmica, etc. O conto, no entanto, não tem essa nitidez de design. É uma nuvem indistinta de possibilidades. E cada um joga em cima dele a definição que lhe convém.
Uma história curta. Uma história curta, com começo, meio e fim. Uma narrativa curta de ficção (=inventada, que não aconteceu). O relato curto de um fato real ou fictício. Tudo isto são definições possíveis, úteis, mas que não esgotam o assunto. Um gênero literário admite uma fórmula mas não se resume a ela: o gênero é a possibilidade de tensionar essa fórmula através da pressão de uma personalidade única, a do autor. Todo autor reinventa em parte o gênero que explora. Se não, os gêneros nunca mudariam. As obras 100% formulaicas podem até ter uma breve aceitação, mas desaparecem. Falta-lhes o elemento do “novo”, e até o mais indolente, o mais embrutecido leitor acaba sentindo essa falta.
Com dificuldade para produzir uma definição estrutural para o conto (além da tríade começo-meio-fim) muita gente adota o comodismo de defini-lo pela extensão: o conto seria como um romance (não é), só que curto. Todo texto curto seria conto, e isso aparece com mais nitidez nesses concursos de microcontos (de dez palavras, 100 caracteres, duas frases, seja qual for o critério), onde qualquer texto que satisfaça o critério numérico é classificado, porque “basta ser curto para ser conto”. Não é bem assim.