O cara está em casa, aí o Correio traz um pacote do estrangeiro. É um livro, não muito grande, e, a julgar pelo recibo impresso que vem dobradinho dentro, não saiu caro. Mas é tanta coisa na vida que o cara não lembra que livro é esse, ou quem foi que encomendou. Pra saber do que se trata, abre meio ao acaso, numa página qualquer do começo. E lê: “Hassan can watch, aghast, as databanks at Nasdaq graph hard data and chart a Nasdaq crash – a sharp fall that alarms staff at a Manhattan bank”. (Mais ou menos: “Hassan pode observar, estupefato, os bancos-de-dados da Nasdaq processando estatísticas e traçando um gráfico de uma quebra da bolsa Nasdaq – uma queda brusca que alarma os funcionários de um banco de Manhattan”.)
OK, pensa o cara. Um thriller sobre o mundo empresarial. Abre noutra página: “Westerners revere the Greek legends. Versemen retell the represented events, the resplendent scenes, where, hellbent, the Greek freemen seek revenge whenever Helen, the new-wed empress, weeps.” Oxente, agora parece ser um épico greco-troiano: “Os ocidentais reverenciam as lendas gregas. Versejadores recontam os acontecimentos retratados, as cenas esplendorosas, onde os homens livres da Grécia, resolutos, buscam vingar-se sempre que Helena, a imperatriz recém-casada, chora.”
Não darei mais exemplos: o livro (Eunoia, Christian Bok; Edinburgh: Canongate, 2001) é uma narrativa em 5 capítulos em forma de “monovocalismos”, textos onde só se pode usar uma das vogais. (Ele dedica seus capítulos, respectivamente, a Hans Arp, René Crevel, Dick Higgins, Yoko Ono e Zhu Yu.) Quem escreve coisas assim (eu já o fiz) tem que fazer certas ginásticas de sintaxe e semântica para não quebrar a regra, mas, com um pouco de boa-vontade, o resultado é totalmente legível.