Inventar uma história que ninguém nunca contou é a ambição de muitos escritores. Não direi que é impossível; mas é como inventar uma posição sexual que nunca foi tentada. Se o cara conseguir, tem seu mérito, claro, mas estamos falando de duas atividades (literatura e sexo) onde a fruição importa mais do que originalidade. O objetivo da literatura é enriquecer o mundo mental do leitor, e não fazer o autor subir no ranking do que dá para medir.
Fui criado numa casa onde se contavam muitas histórias, e dos quatro filhos dos meus pais pelo menos dois foram inoculados com o vírus. Tem histórias, ouvidas na infância, que lembro até hoje. Tenho medo de botar num livro e aparecer na mesma hora um crítico provando que acabei de plagiar Paulo Setúbal ou Francisco Marins ou Karl May. Todas as histórias já foram contadas a esta altura, mas como elas são milhões, há sempre um leitor que está lendo aquilo pela primeira vez – e é para ele, sempre, que escrevemos.
Minha irmã Clotilde Tavares lançou agora O Monstro das Sete Bocas (Ed. Jovens Escribas, Natal), um romance de histórias encapsuladas, umas dentro das outras. Um subgênero que vem das Mil e Uma Noites, através, creio, das Mil Histórias Sem Fim de Malba Tahan. Nesse livro, ela conta as aventuras de vários personagens que, a certa altura da própria Demanda, fazem uma pausa para “contar um acontecido”, uma historieta que ilustra algum princípio moral ou faz revelações sobre uma pessoa, sobre um lugar. Nessa dinâmica, o texto fica parecendo aqueles quadros barrocos onde há um quadro-dentro-do-quadro.