Uma lojinha estreita, de uma porta só; uma tenda. Não a tenda “barraca de acampamento”, mas a tenda que é um quartinho instalado no rés-do-chão de um sobrado ou de um edifício de poucos andares sem elevador. Um pé-de-escada espaçoso e com pouca circulação de gente. Em certa década, um rapaz de bigode preto começou a usar aquele espaço para prestar pequenos serviços de consertador de alguma coisa: sapatos, relógios, motocicletas, tudo que na vida humana precisa de manutenção e reparos. O mundo pisca um olho, e anos depois quem atende ali já é um velho de barba branca.
Ser professor é um pouco assim. (Claro que tem o outro lado, o rosto solar, a faceta operística, o viés peroratório do magistério. Quem não gosta de auditório cheio? Duzentos clientes, todos precisando de pelo menos meio ponto!) Mas tem o lado lunar do professorado, que é justamente o que na minha utopia (este é um conto de ficção especulativa) eu chamo o “professor de tenda”.
A tenda pode ser em qualquer canto. Centro da cidade, ou transversal da avenida principal do bairro. Ele está ali sentado, às três da tarde, botando meia sola num calçado qualquer, quando chega um casal de alunos, ele indica uns tamboretes, os dois sentam. Precisam fazer um trabalho, o assunto é tal e tal. O mestre escuta, a boca segurando os pregos que os dedos recolhem de um em um, enquanto ele martela a sandália feminina em decúbito. No último prego ele pigarreia, manda gravar, pronuncia meia dúzia de títulos, números especiais de revistas, edições específicas. Dá o email para acompanhamento da consulta. Erguem-se todos, ele busca a maquininha, a moça passa o cartão, guarda o recibo – hesita – sorri – tira um livro da bolsa: “O senhor podia assinar pra mim?”. “Claro,” diz ele, abre o livro devagar, dá uma risada: “Você é como eu, não é? Lê sublinhando.”