Ouvi falar de um cara cujo romance lhe veio à mente de vez, praticamente pronto, e ele passou a limpo o texto durante alguns dias insones. Como tinha que dar um nome ao arquivo onde estava salvando o texto, e ainda não tinha uma boa idéia, olhou de lado, viu um chiclete sobre a mesa, batizou o arquivo como “Trident”, e salvou. Daí em diante ficou usando esse nome, coisa e tal, e aquilo foi se integrando de tal maneira à obra que na hora depois da revisão final, hora de mandar para a editora, ele chegou à conclusão de que seu drama existencialista sobre a vulnerabilidade do Eu na sociedade pós-moderna iria mesmo se intitularTrident, não porque isto tivesse alguma relação com a narrativa, mas porque ele não conseguia mais pensar no livro com outro título senão aquele.
Damon Knight afirmou certa vez, comentando uns contos de Avram Davidson: “Uma das minhas muitas teorias a respeito de contos é que tanto os seus títulos quanto as suas primeiras linhas devem ser memoráveis, porque se não forem memoráveis eles não serão lembrados, e se não forem lembrados os contos não serão reeditados (porque ninguém vai conseguir encontrá-los).” Knight considera que um dos títulos mais memoráveis das histórias de Davidson é “Meu Namorado Chama-se Jello” (“My Boy Friend’s Name is Jello”). Ele diz que, mesmo tendo lido a história várias vezes, não consegue mais lembrar o que ela conta. Mas o título grudou.
Davidson é autor de um conto ganhador do Prêmio Hugo sob o título de “Or All the Seas with Oysters” (“Ou Todos os Mares com Ostras”). É uma alusão a Conan Doyle, do conto “O detetive agonizante”, em que Sherlock Holmes, doente, delira diante do Dr. Watson e especula sobre os oceanos e a quantidade de ostras que há dentro deles: “Francamente, não consigo compreender por que todo o leito do oceano não é uma única massa compacta de ostras, tão prolíferas me parecem essas criaturas”. O título de Davidson, aliás, tem pouco a ver com o conteúdo do conto, mas é dos mais inesquecíveis que existem.