Flann O’Brien (não era este seu verdadeiro nome) é um desses escritores fora-de-esquadro cujas obras se recusam tanto ao sucesso popular quanto ao desaparecimento. Ficam gravadas na memória de quem as leu no momento certo, e a cada geração ressurgem diante de um novo público leitor. The Third Policeman foi escrito nos anos 1940, recusado pelos editores, e publicado apenas em 1967, logo após a morte do autor. É uma espécie de romance policial absurdista, numa Irlanda rural onde todo mundo se locomove de bicicleta, inclusive os policiais.
Há um crime cometido logo no início que lança o narrador numa fuga, ao longo da qual ele vai dar numa delegacia de polícia que parece pertencer a um mundo de dimensões diferentes. “Ela dava a impressão de ter sido pintada em cima de um outdoor, e muito mal pintada aliás. Parecia totalmente falsa e inconvincente. (...) Eu estava vendo a frente e a traseira do prédio ao mesmo tempo, quando me aproximava dele pela lateral.” O narrador, que não tem nome, passa então por aventuras notáveis. Desce a um subterrâneo cyberpunk cheio de encanamentos, tubulações de aço, medidores, mecanismos gigantescos. Ouve falar de uma teoria atômica segundo a qual um homem e sua bicicleta são seres híbridos, pois cada um está impregnado de átomos do outro, devido ao longo uso, tanto que em alguns crimes de morte é mais sensato prender e executar a bicicleta. Toma conhecimento de cores que não podem ser percebidas pelos olhos, e de um lugar onde o tempo não corre e a barba não cresce. Ouve a história do balão que subiu à estratosfera com um homem, e desceu vazio. Discute as teorias do filósofo De Selby, como a de que a noite não passa de um acúmulo de pó preto largado pelos vulcões ao longo do dia, e que escurece o mundo quando passa de um certo limite.