(Spock, por Ellygator)
Nunca assisti Jornada nas Estrelas (“Star Trek”) na época em que deveria ter assistido. Se o tivesse feito, a série estaria protegida pelos mesmos habeas-corpus afetivos que beneficiam Quinta Dimensão, Além da Imaginação e outras. Só comecei a ler a seu respeito quando em 1981 pus a mãos na Encyclopedia of Science Fiction (Nicholls/Clute) e fiquei sabendo do seu imenso sucesso. Vi alguns episódios ao acaso, vi 2 ou 3 longas-metragens feitos depois, mas, não, não posso dizer que sou um fã de Star Trek. Olho suas qualidades (são várias), anoto suas limitações (idem), avalio tudo com olhos de crítico, com um olhar de não-fã, um olhar distanciado, brechtiano. O olhar (só agora me ocorre isto) do Sr. Spock.
Spock (cujo ator, Leonard Nimoy, faleceu dias atrás aos 83 anos) era um Vulcano, um humano pertence a uma raça que, pelo que entendo, não exterioriza suas emoções. A frieza de Spock, sua postura imperturbável, tinham algo do não-sorriso permanente de Buster Keaton, do cerebralismo autoconfiante de Sherlock Holmes, do pragmatismo calmo de tantos robôs na história da FC. A discussão a seu respeito ia de “ele é incapaz de emoções” até “ele se emociona mas aprendeu a não demonstrar”.
A indústria cultural se baseia no estímulo às emoções. Excluam as emoções e escutem o desmoronamento do cinema, da TV, da música, da literatura popular. Se esse comércio todo tivesse que se basear na lógica, na frieza e no raciocínio que Spock representava, não passaria de uma barraca de fundo de quintal. O mundo é emoção, e Spock se destacava por contraste. Ele é frio e lógico. Consegue analisar problemas, em situações de emergência, como se fosse algo meramente formal, algo de que não dependesse a sobrevivência da Enterprise e a dele próprio. Na política, talvez procure uma posição em que a brasa possa aquecer por igual as sardinhas disponíveis.