(As brancas jogam, e dão mate em dois lances)
Quem não é aficionado de xadrez pensa que um problema de xadrez é a mesma coisa que uma partida de xadrez, mas não é. Uma partida é um jogo entre adversários. Como em qualquer jogo, parte de uma situação inicial sempre a mesma, e vai refletindo a disputa de forças que passa a acontecer. Um problema de xadrez é outra coisa. É uma situação imaginária, proposta numa revista ou jornal. Envolve poucas peças, e o desafio: “As brancas dão xeque-mate em três lances”, ou “as pretas deixam o jogo empatado com dois lances”, coisas assim.
A graça do problema é você saber, pelo enunciado, que existe, sim, uma combinação de jogadas que conduz ao resultado anunciado. Fogo é encontrar, porque às vezes é preciso um raciocínio meio não-convencional para achar a resposta. No problema, aliás, isso é até mais fácil de acontecer, porque não houve toda uma partida cheia de peripécias e de intenções não-alcançadas, para chegar até ali. Numa partida de verdade é mais fácil ficar preso à narrativa que aquele momento do jogo está propondo. Num problema, não: chega-se emocionalmente zerado ao que na verdade é um desfecho.
Nos romances de Raymond Chandler, um dos hobbies do detetive Philip Marlowe é o xadrez, mas não me lembro de nenhuma história em que Marlowe dispute uma partida com quem quer que seja. Ele volta para casa à noite (mora sozinho), toma banho, ouve música no rádio, prepara comida, come, depois pega o tabuleiro e arma um problema, ou reconstitui uma partida inteira entre dois mestres do passado, como um pianista que volta a tocar um Noturno para não se esquecer.
Um problema é uma pequena obra de ficção enxadrística. Como no romance, imaginamos a existência de uma imensa teia de narrativas prévias, não-contadas, que desaguam naquele texto que começamos pelo “Capítulo 1”. Um romance é uma história que vai acontecer, e um problema de xadrez é uma história de que não vimos o começo mas vamos ter que adivinhar seu possível fim. Teoricamente seria possível prolongar indefinidamente aquela partida, mas a certeza da existência de uma solução radical, uma guilhotina instantânea, leva o jogador a não descansar enquanto não a encontra.