Tenho amigos cinéfilos na Paraíba que costumam programar maratonas cinematográficas na casa de um deles. O detalhe é que são maratonas de um filme só, o mesmo filme rodando em sessões contínuas desde a chegada do primeiro conviva até a partida do último. A duração disso depende da quantidade de presentes, além de outros fatores, mas não é extraordinário que vá das oito da noite às seis da manhã.
Esqueci de dizer que o local é ideal para isso, numa granja a 20km do centro da cidade, uma espécie de anfiteatro ou concha-acústica coberta, com capacidade para 36 poltronas, uma boa projeção, ótimo áudio, e no degrau de cima da arquibancada expande-se uma área servida por um barzinho acarpetado e discreto. Tanto é possível ficar sentado, vendo qualquer trecho do filme, quanto ir para aquela área, e geralmente isso acontece da segunda projeção em diante.
Na noite mais recente que eu fui o filme era Casablanca, que eu acho simpático mas, numa distribuição de senhas por ordem de importância, ele só ia ser atendido quinta-feira que vem. Foi até melhor, porque depois de ver a primeira sessão integralmente (nisso eu nunca transigi, companheiros, meus princípios éticos continuam os mesmos: “Filme começado a ver é filme visto até o fim!”) tirei algumas horas conversando com meu clínico geral, com um amigo de minha filha mais velha e com dois ex-colegas de trabalho.
Engraçado que toda vez na cena da Marselhesa a gente suspendia a conversa. Era como se aquele nosso cinema fosse uma embaixada, um território diplomático, e a gente tivesse a obrigação etiquetal de respeitar o hino alheio. Uma Marselhesa de filme B americano! Grande prédio.
Fui olhar de novo a platéia às 3:15. Havia dois ou três casais de dedos fortemente entrelaçados, soprando o pó da sua Paris. Alguns nerds silenciosos manipulando câmeras de celular, gravadores, cronômetros. Tini copos com Pascoal, o dono da casa. “Sempre sonhei com isso,” disse eu. “O Restaurante de Alice, né?” disse ele. Uma piada antiga de quando o filme de Arthur Penn passou em Campina. Lá embaixo, na tela, a gigantesca mulher das nossas vidas embarcava, reprimindo um soluço. Graças a Deus o nosso personagem estava de chapéu e sobretudo. Imagina uma despedida como essa, e o cara de camiseta e bermuda. Seria o juízo final.