(ilustração: Pierre-Adrien Sollier)
Eu tenho um amigo meu que é contra a Revolução Francesa. Seu propósito na vida é provar que aquilo foi um equívoco gigantesco, uma catástrofe. Está com uns 45 anos e dedica todas as horas vagas (é bancário) ao estudo da RF e à publicação de textos minuciosos, cheios de notas de rodapé, provando por a+b que... O que ele prova? Não entendi até hoje, porque tudo que sei daquela conflagração aprendi no curso ginasial. Depois, só me lembrei dela no filme Scaramouche e nos romances do Pimpinela Escarlate.
Nada pode demover Danilo (nome dele) da sua campanha. Ontem estávamos em turma, tomando cerveja, falando de França e de humorismo, e no primeiro remanso da conversa ele se virou pra mim e disse: “Você já leu A História da Guilhotina, de Kershaw?”. Eu não sou homem de dar o braço a torcer, e driblei a questão: “Tenho, mas não li ainda.” Ele agarrou o mote como quem agarra uma bola de beisebol tacada rumo à torcida: “Este é o problema, as pessoas não se informam. Ficam repetindo clichês feito papagaios, e não vão às fontes primárias.”
Aí entrou no discurso de sempre, que todo revolucionário na verdade só quer derrubar o rei pra sentar no trono, que todas as revoluções terminam do mesmo jeito, Robespierre era um paranóico, Danton um bunda-mole, e que isso que aquilo; nem Lecomte de Lisle escapava, porque para ele a Marselhesa era “um dos poemas mais sanguinolentos e totalitários já escritos”, só se salvava por causa da melodia, e olhe lá, porque o Hino Nacional Brasileiro, visivelmente plagiado dela, a tinha estragado para sempre.
Diga-se, por justiça, que ele também condenava com veemência a Revolução Americana (“Thomas Jefferson era um escravocrata, um demagogo, pior do que Joaquim Nabuco!”), a Revolução Russa (“uma quadrilha de barbudos fedendo a vodka, invadindo os palácios mais bonitos da Europa!”) e a Revolução Mexicana (“essa nem intelectuais teve, era só povo e carnificina”). Mas a nêmese dela era a Francesa, e todo este relato é para chegar num dos seus axiomas.