(foto: Christopher McKenney)
Todo humorista que trabalha e publica num país sob ditadura sabe que se falar mal do Grande Irmão pode ir para a cadeia, o hospital ou o cemitério. Mesmo assim, humoristas do mundo inteiro topam correr esses riscos, e muitos se dão mal. Tiro o chapéu para esses caras, porque se eu vivesse (como já vivi) num país sob ditadura eu provavelmente iria sair pela tangente e satirizar Nabucodonosor ou Calígula.
E não me refiro apenas às ditaduras convencionais. O massacre do Charlie Hebdo em Paris, onde morreram vários desenhistas e funcionários do jornal, foi realizado por um tipo especial de ditadura que está crescendo no mundo. Não é mais o ditador cuja estátua e efigie estão por toda parte, é o ditador oculto e às vezes anônimo, que quase ninguém ouviu falar. Não é a ditadura dos tanques de guerra na rua, é a ditadura de bomba na mochila. Uma não é menos ditadura do que a outra.
Que o diga Salman Rushdie, perseguido durante anos por ordem de um aiatolá. O simples fato dele ainda estar vivo mereceria ser comemorado diariamente (inclusive porque é um ótimo escritor). A ditadura terrorista não é menos cruel nem menos absurda do que a Ditadura de Estado. Não é onipresente como ela, mas por ser invisível parece estar a ponto de brotar em qualquer canto.
Todos devemos ter direito à Gréia (a deusa grega da Galhofa e da Esculhambação) e à Zuêra (a deusa africana da Gozação e do Escárnio). Sem elas, não poderíamos viver. Saber aguentar uma piada sem perder o sorriso e a pose é uma prova de traquejo social e de segurança íntima. Quando o camarada reage com violência a uma piada, revela de pronto seu calcanhar de Aquiles.