As gigantescas nuvens de poeira que o vento ergue numa terra estéril e ressequida, em Interestelar (2014) de Christopher Nolan são uma alusão clara às tempestades de areia dos anos 1930 no Dust Bowl, a região árida que inclui partes do Texas, Oklahoma e Estados vizinhos. Um dos muitos infernos da Grande Depressão. A última vez que as vi no cinema foi no filme de Hal Ashby Esta terra é minha terra (Bound for Glory, 1976), a biografia de Woody Guthrie, que compôs canções sobre essa fase, inclusive “Dust Bowl refugee”.
Uma Terra num futuro próximo. Crises ambientais e pragas agrícolas fora de controle puxaram o tapete da civilização. Diz o personagem de John Lithgow: “Seis bilhões de pessoas, e todas querendo o máximo que a civilização prometia. Não ia dar certo nunca.” Todos os recursos da Terra se voltam agora para a produção de alimentos, cada vez mais difícil. Como diz um mote de cantoria, “os pecados de domingo quem paga é segunda-feira”. A chuva de areia é resultado de séculos de consumismo, desperdício, depredação ambiental, agrotóxicos, orgias de energia, farras de matérias-primas. Um dia isso acaba.
Num mundo assim, um programa espacial seria visto como uma heresia, um acinte, de modo que a NASA torna-se algo clandestino como a Área 51. Um prosseguimento da aventura tecnológica do nosso tempo, num momento em que a humanidade está na UTI?! Claro que, sendo um filme de FC, é a aventura tecnológica que ele mais exalta. Aquele otimismo arthurcclarkeano pela conquista do Universo. Aquele fetichismo-de-veículos tão norte-americano, em que basta ter um piloto de munheca firme e reflexos rápidos para que a missão chegue a bom termo. A humanidade é guerreira e não se entrega. A terra agoniza? As estrelas são meu destino.