(na foto, Biliu de Campina)
Eu gostaria de saber qual o abracadabra do fascínio que Seu Lunga exerce sobre as pessoas. Me refiro ao personagem, que é facílimo de vestir por qualquer cidadão desde que seja baixinho, magro, roufenho, irritadiço, abespinhado, inconsequente, abofelado, impaciente ou feroz. Pense em Pinto do Monteiro, a cascavel do repente, ouvindo do outro cantador uma alusão que considera desrespeitosa, e se entesando todo pra disparar uma sextilha-tonelada. Pense em Manoel Camilo dos Santos tomando conhecimento de algum reparo a sua ortografia ou sua gramática. Pense em Jamelão recebendo a abordagem loquaz de um penitente na hora em que quer escutar uma música que se canta na mesa.
Seu Lunga vai saindo bem cedinho, na primeira luz do dia, o perdigueiro arfando à frente, a espingarda num ombro e a tira do embornal no outro. Um vizinho diz: “Bom dia, Seu Lunga! Tá indo caçar?!” “Não,” diz ele, engatilhando a arma, “tou indo matar esse cachorro doido!”. Tebêi! Seu Lunga não tem paciência com os idiotas da objetividade, esses personagens meio fora de foco criados por Nelson Rodrigues. Quando alguém tenta condená-lo ao óbvio, ele faz como aconselhavam os surrealistas: produz um ato atroz bem no meio da parede bem branquinha da vida real.
Engraçado que na minha infância esse personagem era Seu Mandurinha, ou Seu Mandury. O nome Lunga eu vim a conhecer quando troquei Campina pelo Brasil. O Velho Pôpeiro é um arquétipo, afinal, tanto quanto o Canalha Arrependido ou o Bajulador Frustrado. E nas artes temos o memorioso Funes, o avaro Scrooge, o libertino Casanova, o mercantilista Paulo Honório, o apaixonado Romeu, o imperturbável Buster Keaton, o ardiloso Ulisses, o absurdo Limeira... Personagens de rica textura, cada qual ao seu modo, mas submetidos a um viés que os deixa na beirinha da alegoria. Cada um tem um fator principal, que o transforma quase num personagem de uma só dimensão, um só traço, ou traço predominante demais sobre os demais.