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3238) Ensaios literários (14.7.2013)

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(Flip 2013: Pires, Dyer, Sullivan)

Nascer na Paraíba foi uma das melhores coisas que poderiam ter me acontecido, porque eu sou por natureza um cidadão do mundo. Se nascesse em Paris ou Nova York, eu me diluiria em generalidades e irrelevâncias, ainda que lucrativas. Ser paraibano, estar por assim dizer perto da bandeirinha de corner do Palco do Universo me serviu (como serve a todos nós) de alerta. O alerta parece dizer: você é o centro do seu mundo mas não é o centro do mundo. O mundo é maior do que você, e não vai perceber sua existência, a menos que você faça alguma coisa importante. Te vira, véi.

Isso me vem à mente ao considerar a mesa realizada na Flip, entre os ensaístas Geoff Dyer (Inglaterra) e John Jeremy Sullivan (EUA), mediados pelo brasileiro Paulo Roberto Pires. Dyer e Sullivan são dois ensaístas literários da velha escola, ou seja, escrevem textos longos, meditativos, críticos, geralmente na primeira pessoa, mas envolvendo, em torno do objeto principal do texto, uma grande quantidade de referências pessoais, literárias, culturais, políticas, etc. Um ensaísta da velha escola, ao escrever sobre um parafuso, coloca por alguns minutos o parafuso no centro do seu mundo mental, e faz convergir tudo que sabe na direção desse pequeno objeto.

Paulo Roberto Pires observou com propriedade que no Brasil o termo “ensaio” se aplica muitas vezes ao ensaio acadêmico: duro, árido, cheio de jargão, manietado por uma estrutura referencial e demonstrativa que deixa muito pouco terreno para a expressão pessoal. Já o ensaio que estou chamando aqui de “velha escola” nada impõe em termos de estilo ou de estrutura. O autor é livre para concebê-lo, e cada um vai na direção de si mesmo. Um inglês como Dyer talvez derive (não li nada dele ainda) na direção de autores como G. K. Chesterton, capaz de falar longamente e interessantemente sobre qualquer assunto; ou na de George Orwell, cujos ensaios são tão agudos e ácidos quanto sua ficção. Um norte-americano como Sullivan (comprei dele a coletânea Pulphead) pode recorrer à farta inspiração literária de um Edmund Wilson ou à experiência de Norman Mailer, desde que saiba temperá-las com a doidice de Hunter Thompson ou Lester Bangs.

Enfim: o ensaio literário é quando o autor mobiliza tudo que sabe, tudo que leu, tudo que viveu, para falar de assuntos tão bobos quanto um show de rock evangélico, uma luta de box, uma convenção de delegados de polícia, uma eleição presidencial, uma dose de mescalina, uma briga de vizinhos... Um autor, e todo o seu mundo mental, convergindo de uma vez só sobre um assunto. Se o autor e o mundo valerem a pena, o assunto pode ser até um parafuso.



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