Nossa formação literária se deve muito aos livros que nos caem nas mãos por acaso, no momento certo. Quem quiser diga que o maior contista do mundo é Tchecov ou Hemingway ou qualquer outro: para mim é Guy de Maupassant, que conheci aos dez anos através da antologia Histórias Eternas (Cultrix, 1959), cheia de contos realistas, fantásticos, satíricos, românticos, tenebrosos, sentimentais, maliciosos, cruéis. Suas histórias mais famosas são Bola de Sebo (que inspirou desde a canção “Jenny e os Piratas” de Brecht até o filme No Tempo das Diligências de John Ford), “O Horla” (uma das mais arrepiantes histórias de monstros invisíveis) e o romance Bel-Ami (sobre o jornalismo e a vida mundana de Paris).
A mãe de Maupassant era amiga de infância de Flaubert. Os dois se adoravam, e o jovem escritor foi apadrinhado com entusiasmo pelo autor de Salambô. Com o mestre, GdM aprendeu a ser o que Jessier Quirino chama “um prestador de atenção”. Tem uma finura notável para sugerir, com poucos elementos, tipos humanos vívidos: uma rápida descrição visual, um diálogo, um adjetivo, e a pessoa está inteira e plausível diante de nós. Sua narrativa é ágil e jornalística (diferente do estilo pintura-a-óleo-em-grandes-dimensões do seu mestre). Maupassant é o mestre do parágrafo curto. Em duas ou três linhas ele tanto resume uma ação inesperada e complexa quanto o transcurso de dezenas de anos com tudo que trouxeram dentro de si.
Ficou rico publicando contos em jornais (e depois compilando-os em livros), façanha assombrosa em qualquer época. Na antologia citada, diz Ondina Ferreira no prefácio: “Foi um trabalhador infatigável: produzia num ritmo de febre. Em dez anos, espaço de tempo em que Flaubert redigia dois livros, publicou vinte e sete.” Uma máquina-escritora comparável a Robert Silverberg, a Lester Dent, a Edgar Wallace. Certamente um autor lido e meditado por Machado de Assis, com quem só não é comparado porque tinha um temperamento diametralmente oposto.