O telephone soou no fim da tarde; era um diacono da Cathedral dos Martyrios. O supposto fantasma voltára a apparecer, e pediam o socorro do Departamento Parapsychico. Reuni ás pressas minha aparelhagem, meti-me num cabriolé e parti em disparada. Os lampiões a gaz já illuminavam as ruas, e os cascos do cavallo estalavam com estrepito nas pedras do calçamento. Fui recebido pelo diacono, um homem rubicundo e nervoso que me introduziu no templo. A Catedral, em obras, estava fechada ao publico até que se concluisse a instalação, por entre o madeirame, dos cabos neccessarios á moderna illuminação electrica. Cruzámos andaimes, trechos esburacados do piso; o altar-mór e os nichos dos santos estavam cobertos por lonas. No fim de um corredor flanqueado por colunas, tivemos accesso a um vestibulo e de lá a uma porta que o diacono empurrou com difficuldade. Um immenso banheiro de marmore, illuminado debilmente por claraboias, estendeu sua brancura polar á nossa frente.
“Tem sido visto aqui, Professor Fradique, e dois operários o perceberam uma hora atrás,” murmurou o homem, e, com um pretexto qualquer, ausentou-se ás pressas. Abri a maleta, instalei meus sensores, armei o tripé do ectoplasmoscopio. Enquanto o fazia, comecei a sentir a peculiar alteração da pressão atmospherica que antecede aos phenomenos astraes. A dois metros de mim um vulto materializou-se, um homem corpulento, em mangas de camisa, rosto largo, empunhando um instrumento à frente da bocca, mas de cabeça baixa, como que mergulhado em profundas meditações. Através de seu tronco viam-se azulejos do lado oposto. Os ponteiros dos sensores agitavam-se febrilmente. O ar foi invadido por um odor sulphurico. Senti-me entontecer, cambaleei; a imagem do homem se foi encorpando, tornou-se opaca, concreta.