(1a. edição - capa de Cândido Portinari)
“Viagem” (1954) é um livro póstumo de Graciliano Ramos, contando sua visita à Checoslováquia e à União Soviética em 1952. O visitante já morreu e os países visitados não existem mais; o livro vale pela lenda deixada por cada um e pelo resíduo pessoal que livros assim guardam para sempre. Graciliano, um comunista sincero, descreve os triunfos industriais e copia as estatísticas acachapantes fornecidas pelas autoridades stalinistas, mas é tão reticente e desconfiado quanto sempre o foi com sua própria pátria. (Ou até sobre seu Estado natal, pois ele disse uma vez que Alagoas “daria um excelente golfo”.) O escritor foi numa caravana de dezenas de brasileiros (o livro tem várias fotos deles misturados a escritores russos) e percorreu o roteiro propagandístico habitual nessas viagens, em que os visitantes são ciceroneados por guias solícitos, sempre prontos a dar a versão oficial de qualquer coisa.
O frio e a vodka são personagens constantes dessa trajetória entre hotéis, aeroportos (Graciliano ainda usa o termo “aeródromo”), escolas, fábricas, paradas militares, recepções, concertos, uma agenda estafante de visitas, para exibir aos visitantes (de dezenas de países) os triunfos e a eficiência do regime comunista. A visita ocorreu menos de um ano antes da morte de Stálin (em março de 1953) e reflete uma época em que a fama dele como “pai do povo”, “grande líder”, estava no auge. Graciliano não era imune a essa fama, e o capítulo 9 do livro é uma defesa do ditador que ainda hoje incomoda nossa crítica literária. Expressões (dirigidas a Stalin) como “tremendo condutor de povos”, “defensor da classe trabalhadora”, soam mais como editoriais do jornal do Partido do que como uma expressão literária espontânea.