Quando se diz que o ser humano vai ser destruído por máquinas que ele mesmo criou, tem gente que imagina logo hordas de andróides assassinos ou de robôs desregulados. Não vou dizer que isso é impossível, porque não quero queimar minha língua daqui a dez anos, mas por enquanto acho que essas tais máquinas destruidoras são de outra natureza. A burocracia, por exemplo, é uma máquina – um conjunto de processos interligados, cheios de vetores hierárquicos (séries de atos que só podem ser cumpridos se outros atos forem cumpridos primeiro) e assim por diante. Numa crônica anterior (“O que é um Loop”, em http://tinyurl.com/myqtz37) falei sobre um desses aspectos.
Conta-se que quando publicou em 1922 seu livro de viagens Alexandria, E. M. Forster (autor de Passagem para a Índia, etc.) recebeu certo dia uma carta da editora, informando que tinha havido um incêndio no depósito e, entre outras coisas, toda a primeira edição do livro fora destruída. Por sorte a edição estava no seguro, o seguro já tinha sido pago, e acompanhava a carta um cheque (“com uma soma substancial”) referente aos direitos autorais daquela tiragem.
Forster achou aquilo muito chato, mas não tinha jeito a dar; embolsou o cheque e foi pensar noutra coisa. Semanas depois, entretanto, chega outra carta. Os editores acabaram descobrindo que o porão do armazém havia sido poupado do fogo, e justamente lá tinha sido estocada toda a edição do livro dele. Parecia uma solução, mas na verdade era um problema. A destruição tinha sido comunicada à seguradora, que achara suficientes as provas apresentadas. O dinheiro já tinha sido pago e provavelmente gasto, ia ser difícil não só devolvê-lo como desmanchar todos os trâmites legais que conduziram ao pagamento. Qual foi a solução que a editora encontrou? Incinerar os livros.