Quantcast
Channel: Mundo Fantasmo
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1921

3550) "Sunset Boulevard" (13.7.2014)

$
0
0


Dizem que este filme de Billy Wilder, em sua primeira versão, começava com vários cadáveres conversando num necrotério. Cada um dizia como tinha morrido, e então era a vez de Joe Gillis (William Holden) contar sua história.  As audiências-teste acharam a cena ridícula, o diretor teve que refazê-la, e ficou um dos melhores começos de filmes hollywoodianos. A voz em off acompanha a chegada da polícia à mansão, mostra ironicamente o cadáver boiando na piscina, e diz: “Esse cara morto aí sou eu. Agora vou contar como tudo começou.” (Não exatamente assim; é um texto excelente.)

O filme sobre a estrela decadente Norma Desmond é contado pelo roteirista desempregado e a-perigo Joe Gillis. É um bom sujeito, meio malandro mas fundamentalmente um cara que quer apenas arranjar trabalho para pagar as dívidas e não perder o automóvel. Ele começa como “script doctor” para dar uma organizada no roteiro faraônico escrito pela ex-atriz, e termina como playboy teúdo e manteúdo. Prisioneiro, como se fosse um personagem de Twilight Zone, de uma mansão parada no tempo, de onde quem ousa entrar não consegue sair.

A estrela, que aparece com um turbante que não deixa de lembrar Carmen Miranda, o contrata porque ele é de Sagitário.  As portas internas da casa não têm fechaduras. “Madame tem crises de melancolia, e já tentou o suicídio”, diz o mordomo (que parece um general prussiano) Max von Mayerling, interpretado por Erich von Stroheim.  Aconselho ver a versão comentada do DVD, onde um crítico mostra todas as intrusões da vida real no filme, desde a lanchonete onde o pessoal de Hollywood comia e bebia na madruga até aparições rápidas de Cecil B. de Mill e Buster Keaton interpretando a si mesmos. O filme, aliás, faz referências visíveis ao passado dos próprios atores, que interpretam caricaturas de si mesmos.

É um dos filmes mais cáusticos já feitos sobre Hollywood, e é de admirar que tenha sido feito nos mesmos estúdios (no caso, a Paramount) cuja vida ilha-da-fantasia ele se propõe a criticar. Algumas cenas estão a um passo do surrealismo de Buñuel em L’Âge d’Or: o baile de reveillon para duas pessoas, o velório do macaco, o jogo de baralho dos ex-atores. É a Hollywood de baixo vingando-se com sarcasmo da Hollywood de cima.

De modo cruel, o único sopro de vida normal, de ar puro, é a paixão de Gillis por uma roteirista jovem, com quem ele começa a escrever um filme às escondidas. Por trás da Hollywood das estrelas egocêntricas e dos produtores superpoderosos, Wilder enxerga o que ele considera a Hollywood boa-praça, a dos roteiristas e diretores como ele mesmo, envolvidos na briga-de-cachorro-grande dos egos alheios.



Viewing all articles
Browse latest Browse all 1921