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3529) Gêneros literários (19.6.2014)

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Num artigo na revista Locus (2003), Gary K. Wolfe (um dos melhores críticos de FC em atividade) fez uma comparação entre três dos melhores romances da época: The Years of Rice and Salt de Kim Stanley Robinson, Coraline de Neil Gaiman e The Scar de China Miéville. O ponto de vista dele é expresso nessa frase: “Não é que os livros pertençam a determinados gêneros, eles derivam desses gêneros”.  O livro de Robinson é uma espécie de FC, o de Gaiman uma espécie de terror, o de Miéville uma espécie de fantasia.  Não poderiam (diz Wolfe) ter sido escritos, nem serem lidos, sem a conexão com esses gêneros. Mas nenhum deles pode ser plenamente assimilado somente em termos dos gêneros.

A grande maioria das discussões literárias (para não falar nas outras) nunca chega a lugar nenhum porque parte de premissas inadequadas.  Essas premissas são os termos que usamos na discussão e que nunca questionamos.  Vemos todo mundo discutir o assunto naqueles termos, e achamos que está certo, que essa é a única maneira de pensar a respeito.  E não é.  Podemos propor (como fez Wolfe) uma maneira diferente de enxergar o problema.

A expressão “pertencer a” contamina qualquer argumentação. Condiciona nossa maneira de falar sobre as coisas, de descrever as relações que a gente vê entre elas. “Pertencer”, além de indicar posse, indica uma relação hierárquica, impõe uma polaridade tipo superior/inferior.  Se a obra “pertence” ao gênero X, então pra todos os efeitos o gênero comanda a obra, a obra tem que obedecer às leis dele e às exigências dele, e, como não se pode servir a dois senhores, quem “pertence” a um gênero não pode pertencer ao mesmo tempo a outro.

E podemos, agora sim, dividir as obras em dois tipos. O primeiro é o das que aceitam pertencer, sim, a um gênero, aceitam seguir as fórmulas do gênero, porque é no universo do gênero que querem fazer sucesso e alcançar a fama e a fortuna, não necessariamente nesta ordem. O segundo tipo é o das obras que não querem “pertencer” a um gênero, querem nascer dentro dele e nutrir-se dele, mas ao fim e ao cabo querem afastar-se dele, derivar tendo-o como porto de decolagem. Ir embora do gênero levando algo dele consigo, assim como Severian foi embora de Nessus.

Nenhuma opção é melhor do que a outra; nenhuma garante que o resultado literário será superior. Quem determina isso é o indivíduo. Mas é um erro dizer que qualquer obra pertence a um gênero. Asimov, Clarke, Heinlein, todos tinham orgulho de pertencer ao gênero da ficção científica.  Kim Stanley Robinson,  Neil Gaiman e China Miéville escrevem como quem quer na verdade “derivar” dele; e não veem nenhum problema nisso.



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