Eu tenho um gato fantasma, que não existe e não está aqui, mas que mesmo assim caminha e se esquiva por entre minhas poltronas, meus livros empilhados no chão, minha cadeira de balanço. Às vezes julgo vê-lo como uma mera silhueta esgueirando-se entre uma porta e outra. Já tirei todas as provas de sua existência para poder ter a certeza que tenho agora. Ele existe, mas não é um gato desse mundo. Uma das experiências cruciais eu a fiz com meus próprios olhos, meio acometidos daquelas manchas escuras internas que dão a impressão de estarem flutuando no ar à nossa frente, só que próximas, desfocadas, boiando na lâmina aquosa do globo ocular, e é por isso que elas se mexem tanto, não como bichinhos que fervilham, mas como borrões flutuantes que os movimentos dos nossos olhos fazem ricochetear sem som de um lado para o outro, batendo, perdendo impulso, como petecas de badminton que são jogadas para longe e cujo voo, mal partiu, desfalece e míngua. A experiência consistiu de uma combinação de lâmpadazinha de bolso, espelhos e rebatedores de luz em pontos estratégicos da casa. A luz num certo feixe e num certo ângulo parecia realçá-los, então sempre que eu julgava ver o gato acendia a luzinha e zerava o foco no próprio olho, para ver se havia manchinhas-do-globo-ocular, cujos movimentos eu estava atribuindo a uma assombração.
Não duvido que numerosos casos de fantasmas entrevistos ou pressentidos (seu nome é Legião, porque são muitos) se devam a essas aberrações oftalmológicas, que fazem tal parte de nós que nem temos consciência delas. Mas o gato continuou a ser visto de relance: imiscuindo-se para dentro de um armário (que, ao exame, revelou estar sem gato algum); saltando à noite da pia para a geladeira; enrodilhado entre o teclado e o monitor aceso, e sumindo assim que entrei dois passos na sala; desarrumando à sua passagem os vasos de plantas no patiozinho de trás. Eu sempre estava perto, mas sempre olhando para outro lado. Quando o pressentia, virava-me, mas me restava somente uma réstia de sua passagem, o lance final de uma ausência que meu olhar descobria.